A criatura
Ele acordou a noite para beber água e viu o ser, algo humano, algo feminino, etéreo e difuso. Não ficou com medo. A criatura tinha uma de suas camisas em uma mão e sua carteira na outra.
- Olá - ele disse.
- Hum... oi... - disse a criatura, pela voz, uma mulher.
- Eu...
- Você realmente pode me ver? - ela interrompeu bruscamente.
- Sim. Mas eu sou diferente, isso às vezes acontece.
- Como assim?
- Quando eu era criança, eu surpreendi o Papai Noel uma vez.
- Não acredito! Você é o famoso Roberval?
- Sou eu mesmo.
- Não pode ser... - então ela se lembrou que estava com a carteira dele na mão, e abriu para conferir a identidade. - É você mesmo!
- É que eu...
- Onde eu fui me meter? Onde eu fui me meter? E agora, fujo ou peço um autógrafo? Você um cara famoso sabia, rapazinho?
- Sou, é? Por causa do Papai Noel?
- Isso, e porque você descobriu o balde.
O balde, claro. Alguns anos atrás ele se perdeu, entrou em um beco e descobriu um balde cheio de canetas bic, prendedores de roupa, pés de meia separados e alguns controles remotos. Então ele entendeu porque essas coisas sumiam e para onde elas iam. Para o balde.
- Vamos fazer assim - ele assumiu o controle, experiente que era naquele tipo de situação Twiligh Zone - você continua fazendo sua coisa aí, e eu finjo que não vi nada.
- Igual você fez com o Papai Noel?
- Isso.
- Você não vai contar para ninguém?
- Sou o Roberval, lembra?
- Puxa... obrigado. O pessoal não vai acreditar que eu te conheci.
E ele voltou para a cama sorrindo, sabendo que quando acordasse não iria encontrar sua camisa, sua carteira e talvez a chave do carro, como todo dia. E como todo dia sua mulher ia dizer que ele deveria ser mais organizado e ele ia dizer que tinha certeza de que tinha colocado a chave "bem aqui". Só que a partir de hoje ele realmente teria certeza.