Futuro
A tarde era preguiçosa, nem mesmo o ar estava disposto a se mover. O rapaz estava deprimido por causa do recente fim de um namoro, mas animado com possibilidade de uma entrevista de emprego que acabara de fazer. Será que ele iria superar o fora? Será que o emprego iria se tornar uma carreira de sucesso? E se pudesse saber o que iria acontecer? Jovem como era, tomou uma decisão. Escreveu em um papel: vou inventar a máquina do tempo e venho me contar como vai ser o futuro. Foi aí que a campainha tocou. Atendeu a porta e, não havia dúvida, era ele mais velho, um tanto gordo, cara cansada e curiosa. Ele, o mais velho, olhava tudo em volta com uma cara de enfado.
- Deveras quinto de udapê? - perguntou o eu mais velho.
- O quê?
- Ah! Desculpe, não posso usar as gírias do meu tempo. E aí? Beleza?
- Você sou eu do futuro?
- Por assim dizer...
- É ou não é?
- Sou, sou... você escreveu no papel, né? Quer dizer, eu escrevi, você escreveu, que era para vir, falar do futuro, blá, blá, blá... então tinha que vir. Isso aqui é uma TV? Engraçado - falou, distraído.
- E então?
- E então o quê?
- Como é o futuro?
- Humpf... - desdenhou, dando de ombros.
- Sério, como é?
- Ah... sabe como é... conta pra pagar, trabalho para fazer, pensamentos para transferir...
- Pensamentos? Vocês transferem pensamentos? Isso deve ser muito legal...
- Mais ou menos. A maioria é bobagem, conversinha fútil e erros gramaticais. Parece a internet de hoje, só que mais rápida. Nada de mais...
- O que mais?
- O que mais? Como assim?
- Qual é, cara?! Estou super curioso para saber como é o futuro!
- Ah... é normal. Igual hoje, só que no futuro, sabe?
- Mas deve ser emocionante, divertido... futurístico!
- O futuro é futurístico para você, que vive no passado. Para mim ele só mais uma segundona chata.
- Puxa... que deprê.
- Pensa assim, se você hoje voltasse no passado para falar com você do passado sobre hoje, você ia estar super empolgado?
- É, acho que não. Ainda mais hoje que a Glorinha terminou comigo... mas um dia eu vou...
- Você nunca vai superar isso. Pode esquecer.
- Xii...
- Não foi hoje também que você fez uma entrevista para um emprego super bacana?
- Foi. Eu vou conseguir?
- Não. Nunca.
- Eu vou ter um emprego legal algum dia?
- Veja bem... - disse o ele do futuro, evazivo.
- Como assim “veja bem”? Você sabe que eu detesto esse negócio de “veja bem”.
- Mas é que... veja bem...
- Ah, esquece isso. Vou casar? Ter filhos?
- Isso é um tópico meio constrangedor.
- Como assim “constrangedor”?
- Não me sinto à vontade para discutir isso.
- Mas sou eu, não tá me reconhecendo?
- Não falo. Muda de tema.
- Política. Como é a política mundial?
- Política? Você quer enganar quem? Agora é você quem não está me reconhecendo. Você nunca se interessou por política.
- Tá, mas estou curioso.
- As coisas ficaram um pouco tensas depois da grande guerra da dissolução.
- Os governos se dissolveram depois de uma guerra mundial?
- Não! Os governos são mais ou menos a mesma coisa. Foi uma guerra comercial entre os fabricantes de anti-ácidos e os de água mineral.
- Hum... O Brasil ganha a copa do mundo?
- O Bra... - risadas - … copa do mun... - risadas descontroladas.
- Puxa, você não tem nada de bom para falar?
- Bem - o ele do futuro falou, enxugando as lágrimas das últimas risadas - sabe como é, você é um cara meio preguiçoso, meio desligado. Não estuda direito, não se dedica. Isso vai fazer falta.
- Para! Não quero saber mais nada.
- Então tá, eu sabia que isso não era uma boa ideia, mas como você, ou eu, tinha escrito no papel que era para vir contar, então...
Os dois ficaram calados e a conversa entrou em um silêncio constrangedor.
- Pois é... quer tomar alguma coisa? - o ele do presente disse tentando quebrar o gelo.
- Não. Acho que já vou indo - disse o ele do futuro, levantando do sofá - Desculpa se o futuro não é como você esperava. Você sempre teve as expectativas muito altas. Mas não se preocupe que isso vai passar quando... deixa prá lá.
- Quer saber? - disse o ele do presente, desafiador - Nada disso importa por que eu inventei a máquina do tempo!
- É... mais ou menos...
- Mais ou menos como?
- Digamos que o dono dela tenha esquecido a chave em cima da mesa...
- Rapaz, você não devia ter vindo.
- Pois é... Ah! lembrei de uma coisa - disse o ele do futuro, já saindo pela porta - não existe mais telemarketing.
- Não tem mais telemarkenting? Mas isso é ótimo!
E ele ficou ali pensando nesse futuro maravilhoso, onde não existem mais aquelas ligações chatas interrompendo seus momentos de paz, e no qual ele inventaria a máquina do tempo, apesar de certos boatos dizerem o contrário.