Aí vem a chuva

E eu estava em pleno almoço quando, de repente, dei-me conta dessa inevitável verdade: como é quente essa cidade! Mas eu acabei me precipitando porque, embora Brasília seja mesmo quente, eu estava reclamando provavelmente do restaurante – onde faltava ar-condicionado e sobravam pessoas. Ultimamente, ouço pessoas me perguntarem como está sendo para mim, que sou do sul, passar esses dias de calor por aqui. Minha primeira reação é de espanto, porque não havia reparado que estávamos em dias de calor. Para mim o calor é um só e dura o tempo todo. Ou seja, não existem dias de calor. Mas é possível que eles estejam certos – sou, também, meio lerdo para perceber essas coisas.

Sei, no entanto, que estamos próximos à chegada da primavera – que, aos que não sabem, é uma estação que existe lá no sul. Por aqui as coisas se dividem, basicamente, entre período de secas e de chuvas. Fiquei admirado um dia desses quando me dei conta que não existe garoa em Brasília. Ah, aquela garoa fina e chata, que às vezes já está caindo quando a gente acorda e que dura o dia todo. Às vezes aumenta, às vezes diminui, às vezes pára – não se decide! E nós, por conta dessa indecisão, também hesitamos: devemos manter os compromissos do dia ou é melhor adiar? Acabamos decidindo só na última hora.

Pois por aqui não existe nada disso. Ninguém é surpreendido ao abrir a janela pela manhã. Se começa a chover, já estamos todos sabendo desde sempre, tamanha é a força e o barulho que causa. São como as chuvas de verão do sul e, por serem assim, também não costumam durar muito. E às vezes o sol volta tão rapidamente, e tão ardido, que a impressão que se tem é de que São Pedro simplesmente apertou algum botão, ou mudou a posição em algum interruptor. Mas de repente, entediado, resolve fazer o movimento inverso e encharcar todos os brasilienses que não carregam guarda-chuva.

Isso no tempo das chuvas. Hoje ainda estamos no tempo das secas. Outro dia li no Correio Braziliense que a cidade estava se preparando para a época das chuvas. O cidadão do sul é capaz de imaginar isso? Uma cidade que precisa se preparar para receber as chuvas? Em São Joaquim, o povo se prepara é para a neve. Talvez fosse a hora de insistirmos também no turismo climático. Multidões virão a Brasília entre os meses de setembro e outubro com o único objetivo de testemunhar o início das chuvas na cidade. Muitos se decepcionarão: passarão o fim de semana inteiro por aqui sem que gota alguma caia do céu. Ah, mas como serão felizes aqueles que estiverem na cidade no exato momento em que o fenômeno da chuva chegar! Ela fatalmente chegará de repente, e se fará anunciar com alguns poucos pingos, antes de desabar de vez. E, assim que perceberem, os turistas sairão dos hotéis para tirar fotos, e se molhar na rua, e pular nas poças, e não temer os resfriados, e cantar Singin’ in the rain, e se divertir a valer, e sobretudo celebrar o perdão de Brasília: pois, apesar de tudo, ainda chove na cidade.

Here comes the rain, little darling!

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 08/09/2011
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