Criança.
Capitulo 1.
 
Outro dia chovia muito, foi uma chuva violenta e inesperada, tanto que me pegou na rua sem estar preparada para aquele aguaceiro.
Pensei em correr...
Desisti!
Resolvi aproveitar aquele momento, e mesmo de salto alto comecei a andar na água que vinha até o tornozelo, como um delicioso carinho gelado! Não tive duvidas, tirei os sapatos e os segurei embaixo do braço...
Eu estava tão feliz que nem a roupa molhada me aborrecia, o cabelo caindo no rosto escorria água  abri a boca para tomar a água que vinha do céu.
Que coisa mais abençoada que sensação deliciosa. Voltei no tempo, fui de volta para a infância, onde era comum acontecer isso.!
Tenho pena das que não tiveram a mesma sorte...
Como eu podia ter esquecido aquela sensação?
Na volta das aulas vínhamos aos bandos pela rua, rindo e brincando nos atacando com as pastas escolares, empurrando uns aos outros, fazendo fofoca, chutando pedras.
Mas uma brincadeira era especial...
Andar na chuva!
Não tinha coisa melhor do que andar na enxurrada, por vários quarteirões em ruas de terra, até  “encompridando” o caminho,  se encantar em chutar a água para cima, se divertir em  molhar os que estivessem passando por perto.
Chegava em casa ensopada, mamãe corria a me enxugar com uma toalha felpuda,me dava uma “bronca”, falava meia hora sobre resfriados,jurando me “matar” da próxima vez, e depois de um banho quase “fervendo” me servia um “copão” de leite quente com mel e canela.
Então eu vestia uma roupa sequinha e aconchegante, depois deitava no sofá para assistir televisão chupando pirulito enquanto sentia o cheiro de bolo sendo assado. Com o bolo ainda saindo fumaça cortava um pedaço bem grande, passava manteiga e me lambuzava com ele, depois caprichosamente lambia dedo por dedo!
Que coisa boa!
Para arrematar com chave de ouro dava um arroto estrondoso sem me incomodar com a falta de educação, etiqueta,boas maneiras, toda vez minha mãe repetindo:
-Filhinha, não faça assim é falta de educação!
A recomendação entrava por um ouvido e saia pelo outro,era gostoso e engraçado, abrir a boca e deixar sair aquele som estranho,achava que era o estômago falando obrigado.
De barriguinha cheia e deitada, ficava numa sonolência gostosa, apenas respirando tranqüila, vivendo automaticamente aquele momento tão abençoado.
A criança na sua inocência e inexperiência percebe a felicidade e acha normal aqueles cuidados, é uma atitude natural e faz parte da idade não lhe dar valor. Mas quando cresce, a saudades dói...
Tenho pena das crianças que não tiveram a mesma sorte e da maioria que ainda hoje não têm.
Fazer o quê não é? Vida moderna é isso aí
Não sabem o que é andar na chuva, andar na enxurrada, não sentem  o cheiro de um bolo assando na cozinha,pois o micro ondas está aí para isso mesmo,e  as coitadas comem bolos inodoros e cheios de química comprados  em  supermercados, confeitarias ou padarias...
Muitas não têm nem a presença da mãe...
Chuva e enxurrada hoje é sinônimo de tragédia...
Fazer o quê não é? Vida moderna é isso aí.
Que pena!
Se  você por acaso encontrar uma mulher rindo e falando sozinha,andando na enxurrada , não se assuste.
Me acompanhe no banho gratuito da chuva que lava também a alma e venha comigo recuperar sua meninice...

Minha mãe negava sempre, mas eu sei que caí de cabeça do bercinho, acho que foi a queda que me fez assim...
Meio maluca, mas feliz.

 
M.H.P.M.