Table-talk: Episódio da vida (pseudo-)burguesa
Há muito tempo parei de ser convidado para as reuniões da família – se bem que não me recordava do porquê.
Tampouco era algo que me fazia qualquer falta; afinal, sou uma pessoa avessa a comer em companhia alheia. Não consigo prestar atenção em meus próprios pensamentos se acompanhado de mais de uma pessoa – e, além do mais, é bem-sabido que minha família nunca se importou muito com o que tenho a dizer. No entanto, não consigo me recordar do estopim desta dissensão; só sei bem que, desde que jurei que seria escritor, nunca mais soube o que era viver em concórdia com meus familiares.
Mas eis que, recentemente, quiseram que eu participasse de um café; pensei que estavam interessados em minha companhia, já que, à época, meu segundo livro estava no prelo e me encontrava contentíssimo em falar a respeito. A comida sempre foi muito gostosa, isto não nego, e talvez finalmente conseguiria realizar um grande sonho: compreender e ser compreendido por meus familiares.
Contando comigo, éramos em cinco. Cada um vai se servindo à medida que a refeição começa.
“A manteiga está boa!”
“É da marca Tal.”
“É uma boa marca.”
“E é barata se comparada à da marca Tal.”
“Uma que é muito boa é a da marca Tal.”
“Esta está tão cara!”
“No mercado Tal é mais barata.”
“O refrigerante também não está ruim!”
“Também custa barato… Comprei no mercado Tal.”
“Vi que o da marca Tal está mais barato no mercado Tal.”
Olho para um ou outro, desesperado para que me perguntem algo; eu próprio não sei o que fazer para desviar o assunto. Continuo comendo em silêncio enquanto ouço um desfile de marcas de produtos e nomes de mercados, o que faz parecer que estou em presença de uma turba de acionistas.
Alguém diz meu nome! Acho que me perguntarão algo para me incluir na conversa…
“Quer leite?”
“Aceito…”, respondo desanimado. Sirvo-me e continuo calado, ouvindo a contragosto os diálogos que mais parecem ter saído de algum romance burguês. Vendo que não vão me incluir na conversa fora para perguntar-me se quero ou não algo, e mesmo que incluíssem não saberia prender sua atenção, me retiro após me satisfazer e me recordo exatamente do porquê de ser excluído das reuniões da família – não me fornecem eles nem ao menos inspiração para uma crônica.
(São Carlos, 26 de novembro de 2022)