Uma leve violação do sistema.

Hoje foi uma continuação do ontem. Foi a noite que faltou, porque ontem não dormi. Essa manhã provavelmente seja minha tarde de ontem, seguindo essa lógica imaginária.

Fui uma mulher loira da pele morena, baixa, magra e com uma no braço e outra acompanhando-a. Ou pelo menos tentei ser.

Mesmo com o sol escandaloso me peguei parado, sendo aquela mulher. Os cabelos das meninas eram ainda mais loiros e a pele não era morena como a dela. Será que eram gêmeas? Será que foram fruto de algum assédio? Será que ela vendeu o corpo para um gringo? Porque o Brasil também é turismo sexual. Ou será que não é dela e ela vai vender? Não, mas tem alguma coisa dela nessas meninas.

Me senti culpado, meu estômago tremeu de frio naquele calor. Era uma náusea parida do nojo que senti de mim mesmo. Por que pensei aquilo tudo? Por que estou sendo tão patético?

Porque colocaram na minha cabeça que uma mulher morena, de cabelo ruim, vestes curtas quase que mulambentas, era pobre. Porque colocaram na minha cabeça que cabelo ruim era o semelhante ao dela.

Colocaram também que mulher pobre não tem vida, não tem pândega, não tem amor. Por que me impuseram tudo isso? Eu não queria ter esses padrões armazenados no meu cérebro. Mas o que posso fazer? Não sei! Sei que ainda estou enojado, apenas.

Desfoquei toda aquela cena e baixei o olhar, encontrei uma menina a acompanhando. Não a menina da cena anterior, era uma menina de vestido branco e bolinhas vermelhas. Como ela poderia ter um vestido assim vivendo com aquela mulher? Ou sobrevivendo? Será que foi doado? Estou ainda mais enojado de mim mesmo e continuo admirando aquela mulher. Sinto meu couro cabeludo quente, estou atrasado.

Mas ela tinha boca, eu vi. Ela deu um beijo na menina que carregava e estendeu a mão que restava. A menina de vestido agarrou com firmeza e atravessaram a rua.

Aquilo era a quebra no sistema. Existia amor. Decidi finalmente pegar o ônibus e ver quem tanto amo pra esquecer meu nojo, a piedade sem fudamento, os padrões de qualquer sistema desorganizado e ao mesmo tempo inquebrável, essas coisas que não aguentamos muito tempo reconhecer que existe e temos dentro.

Aproveitar minha tarde que começou 10horas da manhã, não é todo mundo que pode...

Ak
Enviado por Ak em 05/09/2011
Reeditado em 08/01/2013
Código do texto: T3202942
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.