MINHA PRIMEIRA OBRA DE ARTE
De: Ysolda Cabral
 

 
 
 
Quando criança eu não fui mais peralta por absoluta falta de tempo. Como mamãe fazia questão de organização e disciplina, tínhamos hora pra tudo e eu, por não gostar nem um pouco disso, cumpria minhas obrigações, com eficiência e rapidez, para logo ir brincar.
 
Minha irmã mais velha, muito estudiosa e “puxa-saco” de mamãe, às vezes brincava comigo, mas suas brincadeiras eram muito chatas. Quando não era de escolinha, era de boneca.  Eu de irmã das bonecas e ela de mãe que mandava em todo mundo.
 
- Ah, eu odiava!
 
Eu gostava mesmo era de brincar na rua.  Apostar carreira, jogar bola, brincar de pega-pega, andar de bicicleta... Subir nas árvores e colher seus frutos - goiaba, carambola, acerola, pitanga e azeitona. Esta última deixava a gente com a língua azul e eu achava o máximo.
 
Certa ocasião a brincadeira estava tão boa que perdi a hora. E, ao chegar em casa, toda suja e esbaforida, papai já estava. Resultado: fiquei de castigo. ( Sem sair do meu quarto por todo o final daquela semana.)  
 
Fiz “greve” de fome - me garantindo nos biscoitos e chocolates prestígio que eu mantinha em lugar estratégico para as emergências - e passei a chave na porta. - Eu não saia, mas também ninguém entrava.
 
No primeiro momento me ocorreu muita coisa interessante pra fazer. Registrar no meu diário a minha injusta e arbitrária “prisão”. Ler e reler meus livros de contos de fadas, ou me divertir com a turma da Disney, uma vez que, eu fazia coleção das revistinhas do Pato Donald, Tio Patinhas, bem como da Luluzinha, do Bolinha, entre  outras.  
 
Foi então que tive uma brilhante idéia: desenhar, numa das paredes da minha “prisão,” um Tio Patinhas gigante.  
 
Papai acabara de pintar toda a nossa casa. Por fora verde e branca, e, por dentro branco neve.
 
Uma beleza de “tela”! Tão branquinha...!!!  
 
Contudo, havia um problema: eu não dispunha de escada e a cartola do tio Patinhas, no meu projeto, teria que ficar rente ao teto e suas patinhas rente ao chão.
 
Depois de muito refletir, concluí que precisava, primeiramente, “construir” uma escada. Então, em cima da minha cama, coloquei a mesinha de estudo. Por sobre a mesinha de estudo, uma cadeira. E,  em cima da cadeira, um banquinho.
 
Equilíbrio não era o problema, pois eu tinha de sobra. ( Literalmente falando, claro!)  Mesmo assim, alcançar o teto e começar a desenhar minha primeira obra de arte, com um lápis grafite, não seria coisa fácil.
 
Alonguei bastante, gastei uns três ou quatro lápis de ponta grossa, caí várias vezes, me esborrachando no chão, mas consegui.
 
E, ao receber meu “Alvará de Soltura”, só não voltei pro “xilindró” porque mamãe achou minha obra de arte um espetáculo...  Bonita demais, disse- me ela.
 
Ah, saudades de mamãe, saudade de ser criança...!
 
Saudades de mim...