Isso é Zen?

Sim, eu varro a grama. Tento, mas nem sempre consigo, prestar total atenção no que estou fazendo. Procuro ouvir o ruído crepitante que as folhas secas emitem ao se amontoar e tento não deixar de sentir o cheiro ácido, as vezes doce, que dali exala. Não me esqueço, algumas vezes, de sentir o peso do rastelo e a pressão que o movimento causa na minha mão. Penso que essa repetição pode produzir uma protuberância dolorida. Mudo o ângulo em que o pego. Observo o que pensei e fiz e apenas tento deixar passar. Deixar passar é um grande passo. Nem sempre é fácil deixar passar. Prossigo, tentando me tornar consciente de tudo que ocorre nessa atividade aparentemente banal de juntar folhas, desde o vento que insiste em soprar aquelas que junto, até a multidão de cores que desfilam perante meus olhos pouco atentos e minimamente treinados.

Sim, eu varro a grama. Faço grandes montes. Depois os recolho. Sinto nas mãos a leveza e a textura das folhas, que se quebram em pequenos fragmentos, emitindo novos ruídos crepitantes, sensivelmente diferentes daqueles que são ouvidos quando eu as amontôo. Há um prazer e um cuidado quando toco nessas folhas. Elas estão mortas, mas há uma dignidade inegável nelas. Nao posso deixar de considerar que meu ato de juntar folhas secas deveria guardar relação com a necessidade de varrer da mente alguns pensamentos negativos a respeito da vida e de mim mesmo. Eu preciso retirá-los de vez em quando, muito embora saiba que assim como as folhas que não deixam de cair, eles voltarão a aparecer, insistentes, até o fim da minha vida. Pode ser dificil ver neles a mesma dignidade das folhas secas. Mas o exercício de varrer folhas e prestar atenção nelas é capaz de me mostrar que esses pensamentos estão comigo e fazem parte de mim.

Se torna um pouco mais fácil tocá-los e afastá-los com o mesmo cuidado com que trato dessas folhas. Eles deveriam ser abraçados e confortados. É um trabalho infindo e somente após longo tempo de não entendimento é que me dei conta de que ele não deve ser feito para ser terminado - não apenas porque ele nunca irá terminar de verdade - mas porque perderia de vez todo o sentido. O sentido de varrer folhas ou pensamentos que sempre voltarão - vou confidenciar - é o de simplesmente obter uma bela visão. Há sempre algo de belo a ser visto debaixo de folhas e de pensamentos.

Lili Maciel
Enviado por Lili Maciel em 05/09/2011
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