Pápéis trocados

PAPÉIS TROCADOS

Tem gente que tem manias. A minha tia Vívia tem mania de vick. Não dorme sem colocar uma pitadinha no nariz. O Homero, meu primo, leva um copo d´agua quando vai se deitar. Nem acorda durante a noite, mas se não levar não consegue dormir. Outros têm mania de ler depois do almoço, outros de levar revista para o banheiro. O tio Zeca tem mania de ler bula de remédio e pesquisar sobre doenças no “google”.Ele consulta todo mundo da rua. Os vizinhos já sabem: qualquer indisposição o Zeca conhece o remédio.

Tem um velho ditado que diz: “Santo de Casa não obra Milagres” e isso funciona mesmo para o tio. Tem pressão alta e sabe tudo o que deve fazer, comer e tomar, mas mesmo assim vai ao médico uma vez por mês. Também, a tia está sempre advertindo que não se deve automedicar. Ele é um paciente chato e teimoso, critica a medicação, o tipo de alimentação e de exercícios recomendados. Sentiu-se uma “persona nom grato” e antipatizado por todos no consultório por suas teimosias, reclamações e exigências. Então, resolveu trocar de médico.

Antes, porém, passou no “google” e verificou mais uma vez tudo sobre sua doença:

Pressão alta, ou hipertensão arterial é aquela de 140/90 mmHg ou superior. Hipertensão é chamada assassina silenciosa, porque geralmente não tem sintomas. E por aí foi com sua leitura. O certo é que seus conhecimentos sobre sua doença eram completos, se duvidar sabia mais que qualquer médico.

Adentrou no consultório de Dr.Rui, homem já de idade avançada, avermelhado, cara fechada e de pouca conversa. Tem médico que não encara o paciente, não olha para o cliente, vai logo passando remédio. Era nesse perfil que o novo médico de tio Zeca se enquadrava. Na verdade, ele já começou o atendimento aborrecido porque teve que esticar seu horário para atender o tio, pois este alegou ser uma consulta de urgência e não poderia agendar para outra data. Doença não espera. Estava se sentindo mal. Com todos os sintomas de um enfarto conforme lera no “google”: aperto no peito que irradia para o braço esquerdo, falta de ar, náuseas, etc.

Com o bloco na mão e caneta em punho, chamou a enfermeira e mandou providenciar um eletrocardiograma para seu paciente. O tio Zeca contestou veemente. Disse que não iria fazer. Já tinha feito dois naquele mês, metendo a mão no bolso e apresentando-os. O médico nem sequer deu atenção ao que dissera e continuou instruindo a enfermeira sobre o exame. O tio ficou enfurecido com o descaso feito às suas palavras, elevou a voz e começou uma discussão nada recomendada, principalmente por se tratar de pessoas com saúde comprometida. O Dr. Rui também era hipertenso. Cada qual queria saber mais do que o outro sobre a doença, trocaram farpas, mediram conhecimentos, perderam o controle emocional e a enfermeira agitada, tentava apaziguar a discussão até que com muito esforço conseguiu tirar o tio da sala.

No caminho de casa ele pensava: bobagem dizer que não se deve automedicar, acho que farei isso a partir daqui, esse médicos não sabem de nada. Enquanto isso o Dr. Rui era levado às pressas para o Hospital do Coração. Sofrera um enfarto e dizem que foi por conta de alteração causada por um desentendimento...

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 16/12/2006
Reeditado em 09/06/2020
Código do texto: T320063
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