Os dois tiraram o domingo para fazer um passeio no zoológico. Ela, noventa e um anos, ele, sete anos mais velho. Quem os observava não saberia dizer se eles estavam sustentando o próprio corpo ou o do parceiro. O braço dela enroscado no dele. Nas outras mãos uma bengala.  Os filhos, os netos e os bisnetos haviam viajado: era mês de férias. Em frente à jaula do gorila, ela perguntou a ele:
- Meu velho, você acha que nós viemos mesmo dos macacos?
- Não sei não, minha velha, dizem que sim.
- Mas por que será que não vemos hoje macacos ainda virando homens?
- Talvez porque os macacos viram que não estavam se transformando em uma boa coisa.
Riram e continuaram caminho até aves.
- Olha lá, minha velha, uma arara azul trepada naquele galho lá no alto. – Falou ele apontando com o dedo trêmulo – e acrescentou: - Dizem que ela está em extinção.
- Num fala uma coisa dessas, meu velho. - disse ela apertando os olhinhos para ver se enxergava a ave.
- Uai, mas eles falaram isso mesmo, na televisão; elas estão em extinção.
- Não é isso que eu estou falando, estou falando do palavrão que você disse.
- Palavrão? Que Palavrão? – perguntou ele espantado.
- Trepada. – sussurrou ela rápido e baixinho, ainda procurando pelo pássaro.
- Trepada? Quem falou que trepada é palavrão?
- Eu ouvi outro dia no rádio. É palavrão sim.
- Ah, isso é gíria boba que os jovens inventaram.
- Olha, lá, agora eu vi a arara. Que linda! – disse ela emendando com a pergunta, quase corando: - Por que eles não falam fazer amor? É mais bonito.
- Porque eles não fazem amor, minha velha, eles trepam mesmo, igual àquelas antas que vimos agora há pouco.
- Que absurdo! – mencionou ela envergonhada. – aonde vai parar esse mundo!?
- Acho que eles estão agora regredindo. Estão voltando a ser animais irracionais. Virarão macacos de novo...
Ela disparou a rir e tossir ao mesmo tempo.
- Só você mesmo, meu velho.
- Por falar nisso, semana passada, perguntei a nossa netinha mais nova se ela já estava namorando, e ela me disse que estava ficando. O que significa isso? – ele perguntou.
- Ficando? Não sei. Acho que é beijando, ou abraçando, ou sei lá, só ficando mesmo – respondeu ela, falando em seguida – olha o tucano!
- Você está desconversando, minha velha, será que ficando significa que eles...
- Ora, sei lá. Ela me disse que não ama ele.
- Quem sabe eles também não estão como as antas? Ou como as araras nos galhos, isto é, você sabe...
- Eu não sei, nem quero saber. Eles nem parecem que tem o nosso sangue nas veias. Veja o Lourival, o nosso primogênito, nem três anos de casamento e já está se separando da esposa! Não sei por que namoraram durante tanto tempo... Depois falam que na nossa época era pior, que a gente se casava sem se conhecer...
- Mas a gente tinha amor no coração, minha velha, amor para compartilhar... Lembra-se do nosso primeiro dia de namoro? Eu falei com o seu pai das minhas intenções para com você e ele só faltou pedir o meu currículo.
- É e eu lá com aquela cara de tacho sem saber o que estava acontecendo.
- Mas você gostou de mim, não gostou, minha velha?
- Bem, no início eu fiquei meio apreensiva, meio receosa, mas você demonstrou tanta coragem, tanto respeito, tanto amor que conquistou meu coração... (Risadinhas) Eu lembro, você com aquele terno engomado, aquela horrível gravata de bolinhas, o cabelo, puro gel... – disse ela, acrescentado ruborizada :- você até que era bonitão.
- Você lembra do buquê de rosas? – perguntou ele alisando vaidoso os bigodes grisalhos.
- Lembro sim. Rosas vermelhas... É, os jovens de hoje só mandam rosas nos dias de finados e olhe lá, heim!?
(Risadas)
- Você também tem humor, minha velha, muito humor...
- É verdade que as araras são monogâmicas?
- Mono o quê?
- Monogâmicas – repetiu ela.
- São sim, as araras, as baleias e um monte de outros bichos.
- Ich... as baleias também não estão em extinção?
(Risadas)
Minha velha, vamos procurar um lugar para sentar um pouquinho, porque eu estou igual a uma gaiola dessas, cheio de bico-de-papagaio...
- E eu, cheia de pés-de-galinha...
(Muitas risadas e tosses)
Viram um banco em frente aos papagaios e se sentaram. Os dois esqueceram-se do diabetes e do colesterol e resolveram comer um algum doce.
- Olha lá, minha velha, eles gritam como eu, quando estou com dores nas costas. Não te falei. Sou uma gaiola ambulante.
- Uma gaiola que eu amo muito – completou ela.
- Eu também amo esses seu pezinhos-de-galinha.
E os dois ficaram lá. Comendo algodão doce e olhando para as poucas nuvens no céu.
- Meu velho, quando morrermos, vamos comer chumaços de nuvens no céu?
- Certamente, meu amor.
- Será que nós também não somos animais em extinção?
- Nós não, o amor, minha velha, o amor.
Well Coelho
Enviado por Well Coelho em 04/09/2011
Reeditado em 04/09/2011
Código do texto: T3200113
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