Porto das Amarguras

Por que vocês não fazem tudo direito? Porque não é uma questão de desejo. É porque isso não cabe dentro da nossa condição básica de existência: a imperfeição. Fisicamente talvez não sejamos imperfeitos. O problema é que não somos apenas físico. Pensamos, intuímos, achamos que existimos de uma forma que vai um pouco ou muito além da existência. O que nos difere, em princípio, dos outros animais, embora as inúmeras semelhanças.

Por que uma mulher continua vivendo ao lado do homem que a maltrata e o amando? E às vezes só desiste dele depois de muito tempo? Ou não desiste? Vá perguntar a ela. Que possivelmente não terá a resposta. Pessoas como nós não podemos fazer tudo direito. Alguma (ou muita) coisa tem que dar errado. Até a matemática, ciência considerada exata, encontra por vezes a contingência de continuar com a revisão de seus cálculos. Afinal, foi concebida (ou identificada na Natureza) por nós.

Dentre as nossas imperfeições, que parece ser o que nos caracteriza, deveríamos priorizar as situações que nos levam a cometer, admitir ou mesmo favorecer a injustiça. Que pode, no frigir dos ovos, nos fazer mal. Embora normalmente não liguemos para isso, na hora em que estamos prestes a perpetrá-la.

Mas para isso não poderíamos ter inventado o dinheiro e nem a propriedade privada, por exemplo. Já pensou viver sabendo que o teu anel não é teu, mas de todos? Que a tua casa ou terreno podem ser ocupados por todos os que vivem perto de ti? Só se nos estabelecêssemos em tribos, com a necessária presença de um comandante a quem caberia a responsabilidade de promover a justiça. E a história nos mostra que houve sociedades desse tipo, em que a felicidade foi quase possível – diferentes das nossas, em que esta condição está bem longe de se atingir –, até a invasão, por exemplo, do colonizador espanhol. O outros colonizadores.

Mas sem o dinheiro – e parece que todo o depois com ele tem a ver – não teríamos chegado aonde chegamos. Não teríamos chegado aos caminhos de ferro, aos barcos a vapor e depois à energia nuclear, à cura de diversos tipos de doenças, à incrível capacidade de destruição de outros países a milhares de quilômetros de distância, à invenção da goma de mascar, etc. Não teríamos chegado à Lua (será que essa viagem era tão necessária assim?)

Ficamos com a impressão de que tudo tinha que dar no que deu. Era inevitável. Ou então estaríamos vivendo ainda a situação de sociedades remotas que pertencem ao passado. E a vida é evolução. Tudo muda. Amanhã seremos passado. Mas fica também a impressão de que a injustiça não tem idade. Depois que se estabeleceu entre nós. Com o nosso beneplácito. Inclusive com a capacidade única que temos de não procurarmos corrigir as nossas imperfeições. Talvez porque preferimos no fundo deixar isso a cargo do Criador. O que não deixa de fazer sentido: se Ele criou a dor, deve ter meios de exterminá-la.

Mas para quê ficarmos esperando o Messias na Estação das nossas Ambições ou no Porto das nossas Amarguras? Podemos fazer algo, ou pelo menos reconhecer o quanto somos negligentes. Afinal, de onde veio a nossa capacidade de entendimento?

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 04/09/2011
Reeditado em 05/06/2014
Código do texto: T3200055
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