As Lutas da Vida
       
         Cartilhas de alfabetização, com influência paulofreireana, geralmente, ensinam o analfabeto a ler e a se conscientizar de que “viver é lutar”, lutar sobretudo no sentido ideológico.  Porque, em todos os sentidos, todo cidadão, incluindo os desprovidos do mundo letrado, experimenta e sente na pele, no dia a dia e enquanto viver, motivos para nunca deixar de lutar para sobreviver, pois sem a luta pela sobrevivência pouco se vive. Assim, parece que a isso se sujeitam as árvores, logo cedo, sementes, rompem a terra à procura do sol e,  para se manterem em pé, resistem aos ventos, furacões, secas, raios e tempestades; a isso, instintivamente, também se sujeitam os animais que se defendem como podem, na mata ou na água, especialmente contra a ação predadora dos homens. Enfim, tudo que tem vida luta.

         Lutar pelas necessidades elementares, como é comum a tudo e a todos, distingue-se das lutas que se justificam como razões e causas nobres, que elevam o espírito e diferenciam o homem das coisas viventes, dos bichos, de tudo que tem vida. Disso está cheia a mais diversificada literatura. Lembro-me de quanto emocionante foi ler, em A Luta pelo Direito (Der Kampf ums Recht) de Rudolf Von Ihering, um dos pensadores das novas concepções do Direito: “O fim do Direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo -, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: a luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos”.
      
         Os fatos nos levam a crer que os verdadeiros ideais de luta, cada dia que passa, se emprobecem ou, às vezes,  desaparecem.  As “lutas” menores que se noticiam  já se intitulam com esse emprobecimento: luta contra a dengue, luta contra o aborto, luta pelo aborto, luta contra a corrupção, luta contra venda de votos, luta contra o crime, luta contra as drogas, luta contra o analfabetismo, esta, mesmo desencorajada, sofre incompreensíveis alternâncias. Sobre a luta por valores e princípios maiores,  pouco temos nos ocupado e também a mídia, reveladora de outros e inovados interesses. Isso acontece sem que se tenha conseguido suficientes resultados na luta dos nobres ideais, como os da liberdade, da fraternidade e da igualdade. E, assim, “la nave va” e talvez perdurará nessas ondas,  “ (...) enquanto o mundo for mundo (...), ouvindo-se o grito dos injustiçados,  nos fins das greves proibidas: “ A luta continua! ”