LOTAÇÃO 348
Estávamos na lotação 348, sentido Riocentro-Castelo via Linha Amarela-Av. Brasil, ônibus superlotado de pessoas que, por certo, voltavam de um dia fustigante de trabalho. Uns dormiam com a cabeça pendendo para o lado, outros ouviam música em seu celular, os que estavam em pé, se acotovelavam em busca de um espaço inexistente e o desconforto crescente e o cansaço aparece estampado no rosto dos passageiros.
Em um determinado ponto do percurso, um passageiro grita para o motorista: "Parceiro, dá um guento aí que a cerveja fez efeito, deixa a porta aberta que eu já volto". E o motorista faz o que o rapaz pede, e ouve-se um crescente de revolta entre os demais pasageiros, em um eco de insatisfação: "Poxa, pra pegar a gente que trabalhou o dia todo o motorista tem pressa, porque está trabalhando, mas pra esperar o cara mijar por causa da cerveja não tem pressa não."
O motorista por sua vez retruca com os demais ocupantes da lotação, revoltados, dizendo que "se fosse algum deles que pedisse de outra vez, não iria parar".
Agora, alguém pode até me perguntar porque estou falando de um assunto tão banal e corriqueiro, que ocorre talvez, diariamente no movimentado trânsito carioca e que, por certo passar despercebido de muitos... Isso chamou a atenção desta capixaba em visita ao Rio, principalmente para ressaltar um aspecto muito singular de nossa sociedade: a corporatização.
Geralmente criticamos nossos políticos porque, no exercício daquela que deveria ser sua função (gerir com dignidade o Município, Estado, Nação), atuam corruptamente, favorecendo a si e a seus pares, ignorando os direitos dos cidadãos comuns que os elegeram. Mas observei, em menor escala, que a mesma coisa fez esse motorista de ônibus em relação ao "parceiro" que precisava aliviar sua necessidade biológica em uma via pública. O motorista não pensou nos demais passageiros, cansados que voltavam de um dia fustigante de trabalho, mas quis favorecer ao parceiro que havia, em plena quarta feira, lotado a cara de cerveja que já começara a fazer efeito. E o motorista ainda tentou justificar seu ato corporativo.
A lei não diz que é proibido urinar em lugares públicos, sendo passível de prisão quem o faz? A lei responsabilidade fiscal, por exemplo, não diz também que desviar verbas é crime, passível a punição?... Qual é mais criminoso: o que faz xixi em via pública ou o que joga "merda" no ventilador da política nacional com tanta corrupção e falcatruas? Em maior ou menor escala, as atitudes são incorretas e como dizia meu velho pai: "é de pequeno que se torce o pepino" e como exigir que nossos governantes sejam sinônimos de honestidade, incorruptividade, se nas pequenas coisas, muitas vezes temos atitudes incorretas: parar pra o cara mijar na rua; não devolver aquele troco recebido à mais; persistir na típica ideia de "levar vantagem" sobre alguém ou dar um "jeitinho" pra se prevalecer em determinada situação. Penso, que a moralização começa em nós, a quebra de velhos paradigmas começa com a quebra de pequenas atitudes corriqueiras como esta que presenciei na lotação 348...
Irene Cristina dos Santos Costa - Nina Costa, 02/09/2011