Filhos do Ego
Muito antes de me encorajar a publicar meus escritos enchia cadernos e mais cadernos com as minhas inspirações e, consequentemente, atulhava as gavetas da estante da sala com textos e poemas, mudos, desconhecidos e mortos. Uma vez que quando você trancafia o que quer que seja, a menos que mude de idéia, está sepultando qualquer possibilidade de vingar.
Tempo depois mudei de idéia e desenterrei muitos zumbis que criei; outros deixei que morressem definitivamente. Contudo, de lá pra cá, tomo o cuidado para não gerar idéias natimortas, como diria um amigo músico.
Este exercício me fez compreender que de todos os fatores que levam as pessoas a abortarem os planos e projetos que teimam em fecundar em suas mentes, mesmo que a burocracia seja apontada como uma grande assassina de intenções, a egocracia é, de longe, a mais abortiva.
O ego, esta figura poderosa que vive em livre excursão pela mente humana, costuma ditar regras de bem viver, melhor diria de mal viver, muitas vezes nos comparando e desqualificando, noutras evidenciando e superestimando. E nestes dois casos, sob sua influência, nos tornamos inseguros ou arrogantes. Ambas as características são grandes entraves do que quer que seja.
Li noutro dia uma entrevista na qual um escritor e crítico literário, que não vem ao caso citar o nome, declarava sua indignação à incompetência dos escritores atuais, comparando-os aos grandes nomes da literatura. Ou seja, em uma sentença humanística exata, onde o menor junto ao maior não soma nada, o senhor de certa idade resumiu seus colegas de profissão a meros zeros à esquerda.
Após aquela leitura é lógico que o meu ego fez questão de me deixar do tamanho e na forma de uma ervilha esmagada. É claro que fiquei pensando em como iria assassinar de uma só vez todas as minhas criações e cremá-las imediatamente para não cair na tentação de desenterrá-las mais uma vez. Não tenha dúvida que depois das palavras do crítico eu me senti um dos últimos zeros posicionados à esquerda do senhor Machado de Assis.
Até que percebi que o ego do cara estava dando uma surra no meu. De um lado do ringue o ego do crítico super-hiper-autoconfiante e do outro o da super-hiper-menosprezada, eu.
Para tudo! É por estas e outras que as gavetas estão sendo entupidas de papéis e as cabeças explodindo de tantas idéias.
Egos inflados resolvem determinar parâmetros de comparação fazendo crer que só é bom o que é megalômano, como se pela lei natural do mundo as coisas não devessem nascer pequenas para se tornarem grandes. E os egos murchos acreditam.
Enquanto deixei meus escritos engavetados por acreditar que não eram suficientemente bons, estava com medo do que os outros iriam achar de mim e não dos meus textos. Ao me curvar ao desejo de compartilhá-los com outras pessoas, a crítica que poderia receber passou a ser irrelevante. Automaticamente, o prazer de ter sido bem recebida foi estimulante.
Quando o escritor crítico da entrevista achincalhou sem dó nem piedade a grande maioria dos escritores brasileiros, certamente frustrou muitas expectativas e abortou vários anseios de estreantes.
Numa sociedade em que as ações estão cada vez mais engessadas e a cultura esquartejada, aplaudo o vendedor de gás que passa com sua bicicleta utilitária executando música na gaita de boca.
Palavras sem ações são abortos induzidos de mentes egocêntricas. Idéias engavetadas são vidas decompostas que criam traças gordas e cultas.
Léia Batista
* Feliz por estar de volta a este Recanto.
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