Escrever, escrever

Andei lendo uma crônica do Gabriel García Márquez sobre a atividade de escritor. Não era uma visão muito animadora. Márquez lembrava que a maior parte dos lucros pela venda de livros fica mesmo nas mãos dos editores. O escritor, com raras exceções, mal consegue se sustentar com o que lhe sobra. E esse pouco que recebe é o resultado de horas intermináveis diante de uma folha de papel, abrindo mão, por exemplo, de atividades domésticas e familiares. O leitor, diante da obra pronta, dificilmente irá compreender o real esforço que o escritor teve para fazê-la. Gabriel García Márquez é um prêmio Nobel da Literatura. Se para ele é assim, imaginem então o caso de um cronista de jornal.

Ainda assim, escreve-se. Por quê? Por que existem pessoas que gastam suas energias escrevendo livros que não alimentarão a sua família? Por que fazem textos que frequentemente são mal compreendidos, e que às vezes sequer são lidos com grande atenção? E, principalmente, por que escrevem, quando poderiam estar fazendo algo mais tranquilo, como ouvir música, jogar bola ou ir ao cinema? Márquez talvez não tenha a resposta, mas ele percebe: o escritor de verdade escreve mesmo que não venda livro nenhum. Imagino que escreveria mesmo que não houvesse quem lesse.

E escreve porque existe algo a ser dito e que ninguém percebeu. Escreve porque existe algo que precisa ser mudado – e, para Márquez, o escritor conformado não passa de um bandido. Há um momento da vida em que todos, uns mais que outros, desejam escrever. Geralmente acontece no início da adolescência, em meio às primeiras paixões, e geralmente são poesias. Na maior parte dos casos, isso não dura toda a puberdade. Os textos ficam esquecidos numa gaveta. Há uns mais teimosos que continuam. O escritor é um espermatozóide que acha ter sido capaz de fecundar o óvulo.

Não me considero exatamente um escritor. Mas escrevo. Tenho uma coluna em jornal há um ano, 50 edições, 160 mil caracteres. Falta assunto? Depende. Tudo aquilo que você vê, ouve e comenta durante o dia rende um texto. Basta colocar no papel – e, a exemplo dos escritores, eu também venço a preguiça e gasto uma energia preciosa nisso. Escrevo nela como se escrevesse para o Washington Post – é sempre um desafio de auto-superação.

Mas sou um correspondente de saudades – escrevo sobre São Bento sem estar nela. E tenho certeza que existe muita vida passando despercebida na cidade. Diante dos nossos olhos costumam passar grandes verdades. É normal, estamos sempre com pressa. O escritor é uma pessoa que consegue frear o tempo e captar esses movimentos. É um fotógrafo das palavras. Assim como eles, o escritor precisar registrar o momento. Sabe que basta um instante e tudo ficará esquecido. Escrevendo ou fotografando, tenta-se salvar alguma coisa.

É uma luta inglória contra o tempo e suas injustiças. Não desejo que todo mundo escreva. Costumo dizer que o verdadeiro momento em que escrevo é quando estou longe das folhas de papel, apenas vivendo. Depois, faço apenas a transcrição. Garanto que fará muito bem ao amigo olhar ao redor, caminhar mais devagar e só observar.

E no mais, agradeço a sua leitura e companhia.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 01/09/2011
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