Esta coluna não está em greve

Georg Orwell escreveu aquele livro bem conhecido chamado “1984”. Nele, o autor fantasia alguns dos seus medos quanto ao futuro – sim, pois um dia 1984 já foi futuro. E o futuro que Orwell previa não era nem um pouco agradável: seríamos governados por um sistema totalitário que controlaria toda a nossa vida. Haveria “tele-telas” vigiando todos os nossos movimentos. Vem daí o conceito de Big Brother – certamente a pior herança deixada por Orwell. E até os nossos sentimentos seriam guiados pelo governo.

Podemos achar semelhanças hoje em dia, mas ainda não chegamos a esse ponto. Nos últimos dias, eu tenho pensado mesmo é no desconhecido “1985”, de Anthony Burgess, que prevê um aumento considerável do número de greves – a tal ponto que elas se tornariam um instrumento de guerra. O próprio governo viraria um fantoche na mão de sindicatos cada vez mais influentes. Não sei se chegaremos a isso, mas me parece mais real.

Os bombeiros em greve no Rio de Janeiro lembraram-me os bombeiros em greve no livro de Burgess. Na história, um incêndio consome um hospital inteiro e não há ninguém para apagá-lo. Com isso, o prédio foi destruído e os seus ocupantes foram mortos. É uma história triste, e talvez não sejamos capazes disso hoje – ainda.

Mas essa é apenas mais uma greve, e têm acontecido outras tantas, inclusive mais próximas, como a dos professores em Santa Catarina. Os professores, aliás, fazem greves, provavelmente justas, por todo o Brasil. Em Curitiba, funcionários de hospitais também iniciaram uma paralisação. Antes deles, foram os metalúrgicos da Volkswagen. No Recife, foram os dentistas, ameaçando que a cidade inteira tivesse a boca infestada por cáries.

Houve também uma greve dos funcionários de cartório em Montevidéu, situação que adiou muitos casamentos. Por aqui, servidores da Universidade de Brasília fecharam o restaurante e a biblioteca – impedem o alimento do estômago e da cabeça. Mas tive a sorte de me livrar de uma greve dos ônibus, que já aconteceu ano passado, e que funciona assim:

Os rodoviários querem prejudicar os seus patrões porque, em resumo, precisam de mais dinheiro. Os patrões não querem aceitar reivindicação nenhuma porque, afinal, não querem perder dinheiro. O governo diz que vai verificar se há dinheiro suficiente para todo mundo. Alguns passageiros resolvem apedrejar os ônibus parados, para que assim todo mundo perca um pouco mais de dinheiro. Para resolver o problema, uma porção de pessoas que não têm dinheiro suficiente resolve ganhar um pouco mais oferecendo transporte pirata. Eis aí a mecânica da greve em Brasília, e que escapamos por milagre – ou seja, um acordo.

Nada sei sobre a justiça de dessas greves. Tudo que posso fazer é prometer aos meus fiéis leitores – quatro ou cinco – que, aconteça o que acontecer, não irei privá-los dessa coluna, por mais justas que sejam as reivindicações e por mais necessária que seja a greve do setor. Irei resistir ainda que o Sindicato dos Cronistas me ameace com a desfiliação. E não se pense disso que não tenho espírito de classe, mas apenas que não consigo ficar sem escrever. Sendo assim, consolemo-nos mutuamente.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 01/09/2011
Reeditado em 01/09/2011
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