FÉ DIZIMADA!

Em uma pequena cidade do interior, todos mantêm aqueles hábitos de antigamente. Agropecuária de subisistência, modo de vida básico, pouca leitura. E são felizes. A cidade, apesar de grande territorialmente, é pouco habitada. Todos se conhecem por diminutivos, apelidos ou referências familiares. Assim são felizes. E tem mais. Vão à igreja. Trata-se da pequena capela localizada no centro da cidadezinha. Assistem às missas nas manhãs dominicais. Confessam seus pecados com o padre. Rezam o terço. Pagam o dízimo.

“É pro bem da fé, seu moço”, diz uma simpática senhora. “Pra mor de ajudá a igrejinha, sô”, diz um jovem agricultor, aparentemente filho da mulher anteriormente citada.

Deixemos a simplicidade do interior. Agora estamos em uma cidade grande. Uma metrópole. Megalópole, melhor dizendo, conurbada com cidades circuvizinhas. As pessoas têm vidas agitadas. Moram em apartamentos. Trabalham em escritórios. Competem por empregos e qualificações. Frequentam faculdades, cursos técnicos e afins. Vida de muita leitura, muito acesso à informação. A cidade é enorme e muito populosa. Vizinhos não conhecem as faces dos outros. Mas são felizes assim, ao que parece. Mas não é só tudo isso. Muitos vão à igreja. São pequenas capelas, grandes catedrais, templos, santuários e salões do reino localizados na região central e nos bairros mais afastados. Também têm missas aos domingos matinais e pecados a confessar. Terços para rezar. E um dízimo a pagar.

“Gosto de sentir-me útil”, afirma um professor universitário, mestre em sua área. “É como se eu enriquecesse o reino do céu”, diz um típico advogado, talvez aluno do professor anteriormente citado.

Pessoas, pessoas. Um rótulo fácil e ermo. Vamos qualificá-los como fiéis. Religiosos. Fanáticos? Talvez sim, talvez não. Sinceros? Mesma coisa. Cada louco com sua mania. Cada um no seu quadrado. Todos pagam o dízimo. É mesmo! Mas, espere! A fé é paga? Em dinheiro? Parece que sim. Jesus teria dito que “é mais fácil um camelo passar por um buraco de agulha do que um rico adentrar o reino dos céus”, não é verdade? Ainda assim, Marias e Joões pagam o dízimo. Enriquecem as igrejas. Protestantes, evangélicas, espíritas. Não importa. Cazuza disse que a burguesia fede e quer ficar rica. Quem sabe o clero também!

A Maria do interior sacrifica uma pequena parte de seu plantio. O João da capital deixa de levar o filho ao cinema. E lá de cima da coroa de Cristo, outros Joões e Marias constroem seu próprio reino dos céus. Com o dízimo. Dizimando vidas alheias.

A fé é paga. Pagã.

Andre Mengo
Enviado por Andre Mengo em 31/08/2011
Reeditado em 01/09/2011
Código do texto: T3193688
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