UM AMIGO SE GUARDA PARA SEMPRE
“La confidencia corrompe la amistad; el mucho contato la consume; el respeto la conserva.”
Não sei onde li essa frase e nem lembro quem a escreveu. Ela está rabiscada no canto de uma página de um livro. Refletindo sobre o que diz essa frase lembrei-me que Sócrates recomendou “preferir, entre os amigos, não só aqueles que se entristecem com a notícia de qualquer desventura tua, mas sim aqueles que na tua prosperidade não te invejam”. Já Mark Twain observou que se você cuidar bem de um cachorro que está para morrer ele nunca te morderá. Esta é a principal diferença entre o cachorro e o homem, diz o romancista. Procurei mais entendimentos, definições e opiniões sobre a amizade e encontrei de tudo. De tudo o que se pode pensar sobre esse sentimento e bem de acordo com a capacidade que temos de achar infinitas maneiras de explicar a mesma coisa. E se não for para explicar, pelo menos será para encontrar um sentido, um significado. Eu não sei definir o que é a amizade nem o que ela significa. Assim como também não sei o que significa a música, por exemplo.É pelo sentido da audição que a percebemos. Mas, o que ela significa? Não se apresse em buscar socorro e argumentos nos dicionários; pense bem, não é disso que estou falando.
A primeira frase recomenda respeito entre amigos para conservar a amizade. Na segunda o filósofo ensina que amigo é aquele que é indiferente, conformado – os antônimos mais próximos de inveja - com teu sucesso, com tua riqueza e coisas desse tipo. E, finalmente, na terceira frase, a gratidão é o que parece fazer homens e cachorros serem diferentes pois somente um deles a possui. Difícil definir o que é a amizade pois ela é um daqueles sentimentos da categoria dos “bons sentimentos”. Onde estão aqueles consentidos e admirados indistintamente como o amor, a fidelidade, a generosidade, a prudência, a caridade, a fé... a lista é grande.
Respeito, indiferença e gratidão. Seria esse o tripé da amizade? Respeito e gratidão se completam na dedicação ao amigo; isso é fácil de entender; praticar, talvez. A indiferença, porém, deve ser entendida como sendo neutralidade, que não é sinônimo dela. Ser neutral, porém, desequilibra a amizade, quando mal entendido. A neutralidade, contudo, é qualidade e estado de quem não é hostil.
Acredito que exista um único tipo de amizade e dois tipos de amigo. O que está vivo e aquele que já morreu. Não há “melhor amigo” já que se houvesse um, haveria de existir os “piores amigos”. Amigo é amigo e só isso; é para ser amado e reverenciado para sempre. Vivo ou morto o amigo é um ser eterno em situações distintas; próximos, distantes, íntimos, ocasionais, presentes, permanentes, temporários e outros mais que na vida as circunstâncias nos impõem. Muitas vezes faz-se do amigo próximo o distante, como avisou Vinícius de Moraes, e da vida uma aventura errante; de repente.
Uma boa história de amizade está na Ilíada de Homero e aconteceu há uns mil anos a.C. na Tróia da mitologia grega. Como todo mundo já sabe, Pátroklos era o mais próximo amigo de Aquiles. Eram primos também e há quem veja na amizade profunda e extremamente significante um elemento romântico e homossexual. Isso não me importa. Pátroklos era um assassino cruel, pois matou Clisónimo, um amigo, num prosaico jogo de dados. Para escapar da punição pelo seu crime, fugiu e refugiou-se na corte do rei Peleu, pai de Aquiles que os mandou para uma floresta. Lá eles foram educados em várias artes por Quíron o rei dos centauros. Na Guerra de Tróia Pátroklos queria lutar ao lado de Aquiles, que se recusava pois entendia ser ela de Agamenon. Pátroklos, usando a armadura de Aquiles, vai a luta e é morto por Heitor com a ajuda de Apolo. Aquiles, enfurecido, não quer sepultar o amigo e somente o faz depois que Pátroklos, numa aparição, lhe suplica ser cremado para que sua alma possa ser aceita por Hades, o deus da morte. Aquiles então inicia as cerimônias fúnebres de seu querido amigo. Sacrifica cavalos, cães e muitos troianos aprisionados, todos em holocausto, para só depois colocar o corpo de Pátroklos na pira crematória. Mas isso ainda não é tudo. Depois da cremação Aquiles organiza uma competição de atletismo em honra ao amigo, com corrida de carros, pugilismo, lançamento de disco, lançamento de dardo, arremesso de fecha com arco e uma corrida a pé, vencida por Odisseu o grande herói grego, principal personagem da Odisséia; aquele que teve a idéia de construir o celebre Cavalo de Tróia.
Tomo essa parte da conhecida lenda para ressaltar a amizade, como sendo a tradução maior de reverência a uma pessoa. Aquiles, um semideus cuja cólera era absoluta, lutou na Guerra de Tróia de maneira devastadora. Ele, que não sabia que o tendão de seu calcanhar era vulnerável, não via a morte como um desfecho final e irreparável, mas, sim, como um momento de glória suprema. Entretanto, pranteou o amigo e a ele ofereceu grandes reverências públicas, envolvendo certamente toda a população, conforme acontecia nas competições de atletismo e nos funerais daquela época.
Eu não sei definir o que é a amizade nem o que ela significa. Penso, entretanto, que a relação entre amigos é a mais arriscada de todas as relações humanas, pois é sustentada pela fidelidade. Vivo, perto ou longe, ou morto, um amigo estará guardado e preservado para sempre; mesmo que não o seja mais.