E tudo ficou tão claro
E tudo ficou tão claro
o que era raro, ficou comum
como um dia depois do outro
como um dia, um dia comum...
(Humberto Gessinger)
...
Às vezes fica quente a ponto de eu querer explodir.
Perco o sono de ansiedade, pensando que enquanto estou na minha humilde cama me preparando para meu amanhã ordinário, o mundo todo acontece.
Minhas pupilas se dilatam, eu suo levanto deito sento e não passa. Fica tudo tão quente, que quase entro em ebulição.
Neste exato momento, no milésimo de segundo que antecede a fervura, algo vem e apaga o fogo. E eu não borbulho, não fervo. Se chegasse à ebulição, chutaria tudo para o alto e não estaria todas as manhãs vestindo roupas que não me cabem.
E eu sei que nunca vou ferver. Não mais. Porque quanto maior o tempo que passa, menos chance de borbulhar até me derramar. Sempre vem o algo que apaga o fogo evitando a sujeira que faria – e esse algo pode ser cagaço, idade ou estabilidade (o que são praticamente as mesmas coisas).
Afinal de contas, migrei de vinte-e-poucos anos (quando ferver ainda era plausível) para trinta- e- poucos. E trinta-e- poucos não mais se esquentam até borbulhar e evaporar, sumir. Trinta-e-poucos já optam por fogo baixo num fogão de seis bocas que aquece o arroz e as mamadeiras.
Trinta e poucos, por mais que se inquietem, têm que forçar fechar o olho e deixar o calor ir embora. Para manter a água morna.
Mesmo sabendo que água morna não vai queimar, nem curar. Ou limpar, cozinhar. Enfim, não serve nem para fazer chá.
O que é morno não serve mesmo pra nada.
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Tudo queimava, mas nada aquecia. (Humberto Gessinger)