Em repouso segue a humanidade
Em Repouso Segue a Humanidade
Jorge Linhaça
Dormem os governantes em fronhas de algodão egípcio
Dormem os miseráveis no chão frio das ruas esburacadas e infectas, dividindo o habitat com ratos e baratas.
Dormem os remediados em suas camas simples, estafados pela luta diária em busca do "ter".
A sociedade se anestesia a cada dia com as doses homeopáticas dos dramas individuais.
"Cada um com seus problemas" é o lema reinante no mundo das maravilhas.Cada Alice se agiganta ou encolhe para sobreviver e preservar a sua cabeça sobre os ombros, cercada de gatos risonhos, chapeleiros loucos e rainhas de copas.
Os insones se movem no labirinto das relações humanas driblando o minotauro da indiferença constante.
Despejam baldes de água fria sobre os adormecidos e suscitam muitas vezes a ira ao invés da gratidão.
Ninguém gosta de acordar com o som estridente de um velho despertador, o primeiro impulso é o tapa no seu desafeto para silenciá-lo.
A hipnose coletiva, as palavras de ordem subliminares e a acomodação ao status quo e suas implicações subvertem as necessidades reais, substituindo-as pelos "sonhos de consumo".
O ser humano é insaciável e refratário à simplicidade.
O sonho de um morador de rua é um cantinho para descansar os ossos ao fim do dia, quem já tem um cantinho sonha com uma casa, quem já tem uma casa sonha com uma maior ou melhor localizada, quem já atingiu esse objetivo sonha com um palacete e por aí afora.
Quem anda descalço sonha com um sapato, quem já tem sapato sonha com calçados de grife, quem já tem os calçados sonha com um carro, quem tem carro sonha com "O carro", quem já tem "o carro" sonha com barcos, helicópteros e etc.
Sonhar faz bem, ter metas e as atingir é salutar, nos põe em movimento, nos faz aperfeiçoar nossos talentos.Mas há caminhos e "caminhos".
Os olhos semicerrados muitas vezes nos impedem de ver aqueles que pouco ou nada teem.
Os "olhos de zoom" que nos acostumamos a usar no dia a dia focam apenas um fragmento da "tela cheia" onde se desenvolvem as tramas do cotidiano.
Ninguém cresce sozinho, ainda que alguns prefiram essa ilusão.
Uma sociedade de individualismos não é uma sociedade, é apenas um aglomerado de pessoas que convivem num mesmo espaço.
Como a sociedade é composta de "células mater." que denominamos famílias e, ao fim ao cabo, reflete as relações familiares, não é de se estranhar que, em um contexto onde a relações familiares estão cada vez mais individualistas com pais ausentes da vida dos filhos e mesmo da vida do cônjuge, caminhemos a passos céleres para a desagregação da sociedade como um todo.
A permissividade e a inversão de valores é tão acentuada que uma empresa de telefonia, através de sua agencia de publicidade, tem feito uma campanha no sentido de que, para que os pais recebam carinho e atenção dos filhos, devem fazer um plano que inclui internet banda larga e outros benefícios.
Na verdade, se quisermos o respeito e o afeto de nossos filhos, não há de ser com bens materiais que os conquistaremos e sim com atenção, interesse, e cumplicidade ( no bom sentido ) com seus projetos.
Não adianta querer suprir nossa ausência com presentes e agrados, isso apenas gera nas crianças e adolescentes o sentimento de que o mundo tem obrigação de lhe dar aquilo que deseja sem que para isso necessite fazer nenhum esforço.
Os reflexos disso vemos diariamente nos noticiários de TV, rádio, jornais e etc, onde o desprezo pela vida e pelos valores morais se faz cada dia mais patente nas atitudes das pessoas.
O resgate da sociedade só é possível através de um despertar para o que é realmente importante.
" De que vale ao homem juntar as riquezas e as honras do mundo se para isso perder a sua alma?"
De que vale ter na garagem carrões importados se para isso perdemos horas de interação com nossos filhos?
De que vale termos dois empregos e não preservarmos nossas famílias?
Não adianta reclamarmos dos governantes pois eles são um reflexo da sociedade que construímos.
Como esperar que fulano ou beltrano se importem com o bem estar das pessoas se nos alienamos das necessidades de nossas famílias, se estamos por demais ocupados vendo TV para sabermos se nossos filhos estão tendo os problemas e dúvidas que fazem parte do seu desenvolvimento como seres humanos?
Não podemos ensinar aquilo que não sabemos e não podemos transferir aquilo que não possuímos.
Se não temos valores maiores do que a busca por bens materiais, condenamos nossos filhos a reproduzir nossa maneira de ser.
Talvez por isso, lá no Velho Testamento, Deus já tenha nos alertado:
"Pois eu o Senhor sou zeloso que visito a maldade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração." ( Êxodo 34:7)
Quem tem olhos veja, quem tem ouvidos ouça!