Alô, memória?
Era um aparelho preto, pesado, com um fio grosso e um dial no qual meus dedos infantis dançavam, fazendo muita força para girá-lo. Meu coração batia com pressa quando meu tio deixou que eu o usasse para ligar para minha amiga Clei, a única que tinha telefone. Sentindo minha pulsação na garganta quando ouvi o “alô” do outro lado, respondi, “sou eu”, como se meu interlocutor pudesse adivinhar de quem se tratava... Percebi a falha e sorri; mas para mim, aos sete anos e no primeiro contato solo com um telefone, julgava inimaginável que não soubessem, tamanha minha emoção.
Na rua em que eu morava apenas a dona Maria tinha telefone. E ela, muito gentilmente, oferecia à vizinhança a tecnologia de se falar à distância, o que minha mãe aceitava de bom grado quando precisava falar com a família na então longínqua Campinas: pedíamos licença e entrávamos, enquanto eu olhava com ternura para os coelhinhos que dona Maria criava em seu quintal. Minha mãe fazia a solicitação à telefonista, ia para casa e depois de um tempo (que não sei precisar qual era) dona Maria batia à nossa porta dizendo que a ligação havia “chegado”. Saíamos correndo para falar com minha tia e depois disso tudo, enquanto minha mãe contava as novidades para a vizinha solícita, eu ficava acariciando o pelo macio dos bichinhos e dando-lhes talos de couve, que eles mastigavam, inquietos.
Chegando à adolescência, com tanto para falar... Mas, por sorte, Rosely, minha melhor amiga, tinha telefone dentro de sua casa - e eu, um orelhão a cem metros da minha. Àquela época, a ficha telefônica usada para se obter linha era suficiente para uma chamada de duração indeterminada. E assim ficávamos por um longo tempo, que só era interrompido quando outra pessoa chegava para usar o aparelho; e eu me despedia de minha amiga antes que algum olhar de reprovação contaminasse minha alegria pela comunicação possível.
Enfim, telefone em casa, bem naquela época da vida em que os amigos são muito numerosos e as atividades, muito frequentes. Mesmo sob os protestos veementes de meu pai, atento à conta telefônica ao final do mês e ao timbre de voz que pedia por sua filha: as agudas não careciam de identificação, as graves sim. Só que, desta vez, o apetrecho havia vindo para ficar e ninguém mais na casa discutia sua importância. Independente do timbre de voz do outro lado.
Meu primeiro celular, de 1999, era um aparelho pesado e com uma antena imensa, mas me recordo da sensação de liberdade que aquele aparato me deu. Podia me comunicar com quem quisesse, a hora que quisesse... Estava livre para ir e vir e ainda assim meu trabalho me acompanharia, minha família iria junto, meus amigos estariam comigo. Jamais saia de casa sem meu libertador. O auge da independência!
E hoje, muito tempo depois, quando este meu aparelho - que já encolheu até quase sumir e agora voltou a ter um tamanho identificável dentro da bolsa – começa a ficar insuportavelmente intrometido, simplesmente desligo ou propositalmente esqueço em algum lugar de difícil acesso. Agora que a comunicação já não é mais um problema entre os seres humanos, outro surgiu: já não sabemos mais como voltar à caverna isolada e incomunicável de nossos antepassados.
(OK, há celulares que já vem com GPS...)
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Este texto faz parte do Exercício Criativo "Pelo Telefone"
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