Tempos modernos
Às vezes acredito que tenho a imaginação muito fértil.
Nas minhas “viagens” e devaneios, me ponho a pensar sobre nós, seres humanos. Seres esses com nossas crenças, culturas, divindades, afetividades, emoções, elementos que se tornam compostos e complementares, esses valores são alimentos para a nossa existência, para a nossa qualidade de vida, para a nossa formação e perpetuação da nossa espécie.
Na contramão dessa conclusão, vejo o homem moderno abrindo mão de praticamente todos os valores até então fundamentais, substituindo-os pela ciência, pela tecnologia, pela alta performance profissional, pela perfeição no vestir, se locomover e tantas outras atitudes que completam essa modernidade.
Hoje o ser humano tem classificação pela sua faixa etária: Geração x, y, z, nativos digitais, imigrantes digitais, Baby Boomers, etc.
A individualidade está se tornando cada vez mais imperiosa, ou seja, cada indivíduo tende a ser uma ilha, que se conecta às demais de forma escassa e precária, via redes virtuais, abrindo mão da presença, com contato na sua essência.
Pouco sentamos juntos à mesa para o café da manhã ou jantar, pouco compartilhamos a mesma TV. As comodidades, a oferta de bens é abundante e barata, propiciando essa proliferação de ilhas, onde em casa, cada um tem a sua TV, o seu celular, o seu notebook, tablet, ou outra ferramenta de acesso à internet.
As empresas, através dos Recursos Humanos, já perceberam a importância de agregação humana e não mede esforços para propiciar bom ambiente de trabalho, através das relações pessoais de boa qualidade, através do incentivo às parcerias e intercâmbios. Nas corporações já se percebeu que a produtividade está diretamente ligada à qualidade de vida, do bom relacionamento interpessoal, da gestão participativa, da valorização humana.
Por um lado a comunicação entre as pessoas está cada vez mais acessível e disponível, unindo tribos de todo globo terrestre, “Eu tenho o universo ao alcance de alguns cliques, estou conectado em tempo real com amigos nos EUA, Canadá, Chile, Japão ou onde mais der vontade”.
Mas em casa, existe uma resistência natural, provocando um isolamento proposital, onde as famílias já não se comungam, não se confraternizam, não compartilham as rotinas diárias. Muito cedo as crianças são entregues em creches de tempo integral, os pais precisam cuidar da carreira e do futuro dos filhos(!).
Do meu ponto de vista (genuinamente amador e sem base científica que me sustente), sinto que o ser humano está rapidamente substituindo as prioridades. A família, a convivência, o acompanhar o crescimento, estão sendo relegado a segundo plano. A vida profissional está ganhando a preferência, em detrimento das outras interações humanas.
Os filhos, uma vez bem acompanhados, educados e incentivados na trilha honesta e justa, através do bom exemplo, com certeza saberão eles mesmos construir os seu próprio futuro. Saberão escolher, optar, decidir, definir o que desejam para si. Terão bases que os asseguram agir.
Já não temos tempo para passar uma tarde de sábado preguiçosa com os filhos, assistir um filme juntos, compartilhar as facetas do dia a dia, visitar amigos, convidar outros para um almoço descontraído num domingo...
Os próprios filhos, pela falta desses hábitos, quando o têm, classificam de “mico”, o pai levar ou buscar na escola. Curiosamente o motorista do transporte escolar o leva e traz todos os dias, mas isso não é mico. Eles estão aprendendo por si só a se virarem, a tomar conta de seu próprio nariz. E nem sempre o fazem bem. Nem sempre sabem como fazer bem. Não aprenderam, não tiveram exemplo.
Claro, quando precisam ir ao médico tem companhia, se precisam comprar roupas tem quem financia... Mas isso é tudo?
Não quero, não posso e não devo generalizar, seria uma injustiça ou irresponsabilidade, mas essa é uma tendência muito forte nos dias atuais. As pessoas se envolvem com a profissão, com o futuro, com a carreira, com construção de um futuro melhor.
Sou um conservador apaixonado pelo ser humano que preza pelo bom relacionamento em todas as instâncias, mas vejo como fundamental o bom relacionamento familiar. É ali que se constrói o ser humano, os princípios, a moral, a responsabilidade. E estamos jogando fora essa grande oportunidade de construção humana, dando lugar à profissão, ao trabalho, aos grupos de relacionamentos virtuais, às aldeias globais sediadas em todas as partes de mundo. Menos na nossa sala de estar e de jantar. Menos no quintal ou no playground de nossa casa.
E o que é mais preocupante, é que essa prática é irreversível. Essa convivência familiar está se tornando incompatível com a vida moderna de alta performance e alta velocidade.
Quanto a mim, remanescente do século passado, cabe fazer o que consigo, o que posso. Às vezes provoco algum mico, às vezes me recolho ao meu admirável mundo velho, às vezes me atrevo a ser moderno também. E a vida transcorre em alta velocidade medida a megabit por segundo. Não posso me dar ao luxo de ficar sentado à beira do caminho. Seria sumariamente atropelado por uma multidão desenfreada em busca do sucesso. Sucesso que eu também quero.