HUMANIDADE
A cidade era repleta de prédios, torres, sob um céu esfumaçado cruzados por aviões, helicópteros, e pela janela ele tinha uma visão pequena e assustadora do mundo lá embaixo.
Saudade de mamãe, de papai, do quarto que dividia com os dois irmãos, agora apertado ali naquela quitinete, vendo varias luzinhas acesas em vários quadradinhos. A noite chegava. Ali aceso, acolá ainda escuro, em cada quadrado algo revelado, podia ser apenas uma toalha esquecida numa janela aberta. Um pombo esquecido da noite num beiral mais embaixo. Nossa como é imenso este mundo, acreditava o rapaz apertado na sua blusinha vermelha. Tantos planos para amanhã, mas hoje ficar só, ele e uma TV. Uma TV e ele, nem sofá, ajeitando-se como que se deitando pelo colchão mesmo, relaxando, buscando relaxar. Vida nova, vida nova, era buscando num sorriso com dentes faltando, apesar da idade tão inaugural.
Aos poucos conforme os dias iriam se batendo ele já sabia, por isso nem prestava atenção no que se passava na TV, e levantava a cabeça como que mostrando orgulho a alguém, embora estivesse sozinho.
A padaria não era longe, ônibus era a melhor e mais rápida condução, nem sempre era o mesmo motorista, nem havia tempo para reconhecer um ou outro passageiro, alguém que na calçada perguntava-lhe se tinha fósforos. Não fumava, mas bebia, e ficava sozinho num bar que ficava cheio, bebendo uma cerveja, cruzando as pernas, de bermuda, sorrindo para um, sendo tacitamente correspondido por outro e nem tanto por uns. Se havia briga, pagava sua conta, ia embora, ajeitando-se como se fosse ferido e a roupa ficado amarfanhada.
Então dependurado ele era como um pássaro em seu ninho, olhando os quadradinhos se acendendo. Empoleirado, e ria da própria situação, buscando seu cantinho apertado, em companhia da TV. Ouvia um grito atrás da porta fechada, um choro de criança hesitante, um som de conexão internet. Mosquitos continuavam se confrontando com a luz. Se apagasse, pensava, Para onde foram?
E a vida era assim, dias, dias, conhecendo gente esquisita, mas era ele mesmo esquisito, acreditava afinal, reparando-se no espelho de uma vitrine, mas por que num emprego qualquer não o aceitaram, mas um monte de gente também não havia sido aceito. E persignava-se em frente ao cemitério, mas não fazia isto em frente a igrejas.
Um dia passeava na praia, catava conchinhas, nunca soube por que, jogou-as toda de volta no mar, lançou-se num mergulho, porém não sabia nadar, e ficou apenas espanadando na água fria e meio suja do mar, é que rolava sempre guimbas velhas de cigarros, copos descartáveis, até latas de bebidas. A sujeira que ia deixando rastro interminável, dividindo espaço com o eco sistema, com os peixes, que nem podia entender, com as gaivotas que nem sabiam o que poderia comer e não morrer engasgadas.
Tudo era caótico, trancados dentro de si mesmos, desfilando vaidosos com roupas feitas de tecidos que perdiam o brilho, que amontoavam em lixos pelas estradas, enchiam terreiros, crescendo esperanças em urubus mortos de fomes, andando em bandos.
Não detectava, nem mesmo se reconhecia entre os iguais, embora se procurasse com um e outro, se acomodavam num efêmero desejo, volúpia, queimavam, ardiam. Aos poucos se perdendo sem identidade, mas olhando-a dentro de sua carteira, seu retrato antigo 3x4.
Se a perdesse perdia-se nunca se achando onde nunca se vira antes localizado.