PEER GYNT FALANDO PRA MÃE
Ibsen escreveu Peer Gynt O IMPERADOR DE SI MESMO, uma história meio louca e Peer era aventureiro, inconstante e inquieto, mas têm uma passagem muito bonita, quando ele volta para ver a mãe e se senta ao lado dela, troca algumas palavras e diz umas coisas muito bonitas que vou transcrever aqui:
“A velha Aase estava doente, e teve uma surpresa. Deitada em sua cama junto da lareira, no casebre vazio e deserto, acompanhada apenas pelo gato fiel, que se enroscava a seus pés, viu entrar o filho querido, Ficou sobressaltada:
_Peer, meu filho, que bom que você está aqui! Mas não devia ter vindo, é perigoso.
_ Senti que precisava vir e vim _ respondeu ele.
_ È para uma despedida, então. Daqui a muito pouco tempo não estarei mais por aqui. Quando meus olhos se apagarem, quero que você os feche com doçura. Depois, me ponha num belo caixão...
De repente, Aase mudou de tom. Ficou novamente revoltada porque se lembrou de que nem esse último direito lhe tinham deixado:
_Não, meu filho, não vai ser possível, Eles levaram tudo...
_Foi por minha culpa, mãe _ disse o filho, arrependido.
_Culpa sua? Nada disso. Culpa da maldita bebida, isto sim _ protestou ela, _ Você não sabia o que estava fazendo. Ainda mais depois daquela corrida selvagem com a rena! Aquilo deve ter mexido com a sua cabeça...
Peer Gynt estava carinhoso com ela. A mãe lhe deu um sorriso terno e tentou falar de outras coisas:
_ Sabe, aqui na aldeia há uma jovem que suspira olhando as montanhas... Quer saber quem é?
O rapaz tentou interrompê-la, mudar de assunto. Perguntando pelo noivo de Ingrid, mas ela continuou:
_ Os pais dessa tal moça choram e se lastimam, ela nem ouve. Só você, Peer, tem o remédio para curá-la.
_ Falemos de outras coisas _ atalhou o rapaz. _ Você está bem? Tem sede? Vou cobrir os seus pés.
Peer Gynt reparou então que ela estava deitada numa caminha curta demais, seu velho berço, o único móvel que tinham deixado. Lembrou-se de quando era pequeno e brincava debaixo das cobertas, como se viajasse numa carroça ou como se estivesse numa tenda em lugares distantes, vivendo mil aventuras. Às vezes, também, brincava coma a mãe: punham o gato em cima de um banquinho, como se o bichinho fosse puxar o trenó-berço onde o menino Peer se instalava. Aase, ao pé da cama, sentada em sua cadeira, fazia às vezes de cocheiro, virando-se para trás de tempos em tempos, para perguntar se ele estava bem ou tinha frio. Bem que a mãe o amava, apesar de suas ranzinzices... Falou de suas lembranças. Ela sorriu:
_É mesmo... Íamos até o castelo de Soria-Moria, às festas do rei. Ai!...
Preocupado, Peer Gynt quis saber por que ela gemia.
_Tenho medo, filho, estou com dor. Vou partir.
Ele se sentou na cama, ao lado dela, e disse que partiriam juntos. Começou a descrever o caminho e a viagem:
_Veja só, mãe, já estamos perto do fiorde, a caminho do castelo.
Ela interrompeu:
_Estou com medo... o vento está soprando gelado, estou vendo uma luz esquisita...
_Bobagem, mãe, são os pinheiros no vale. A luz vem das janelas do castelo, tem um baile lá dentro. São Pedro está na porta, cumprimentando todo mundo que chega, oferecendo um pouco de vinho.
_ Tem doce, Peer?
_Tem, mãezinha. Doces ótimos, numa bandeja cheia, feitos pela falecida mulher do pastor.
_Que bom! Então vou me encontrar com ela e conversar sem parar... Mas agora não posso, estou tão cansada, moída, vou fechar os olhos, não agüento mais. Tome conta do caminho, meu filho.
_Pode ficar sossegada, minha mãe, feche os olhos _ tranqüilizou o rapaz. Depois rezou à sua moda, quase brigando com Deus, exigindo que abrisse as portas do Paraíso para Aase. Olhando para ela, tão plácida em seu leito de morte, tendo finalmente partido para a longa viagem, compreendeu que a tinha levado com carinho até o fim.
Do livro Peer Gynt O IMPERADOR DE SI MESMO, adaptação em português de ANA MARIA MACHADO - editora scipione - 1997
OBS: Achei muito bonito ela falar p/ ele: "TOME CONTA DO CAMINHO, MEU FILHO.
E ele: PODE FICAR SOSSEGADA...