Aos amigos

Já bebi muito, por muitos motivos, por muitas vezes, hoje em especial, penso fazê-lo por uma razão muito mais nobre. Hoje ergo o copo num merecido agradecimento, que não poderia ser expresso de qualquer outro modo, fora algo simples como um brinde.

Lembro de quantas vezes brindei às belas garotas, que nunca viessem a faltar-nos; às garotas dos outros, que nos amassem, mas continuassem deles; a uma data qualquer, um filho que nasceu, alguém que faleceu, noivado anunciado, solteirismo inesperado. Até a própria cerveja, que sempre preenchesse o copo. Não digo que não tenham sido brindes sinceros ou bons de fazer, a única coisa que os diminuí é a magnitude deste. Que não é apenas para aqueles que hoje caminham ao meu lado, é para aqueles que compartilharam brincadeiras toscas de criança; para os que acompanharam-me numa conturbada adolescência; para quem conheço há décadas ou minutos; para quem já virou adubo; para aqueles de quem gostei e não mais vejo; para aqueles que viram o que tornei-me, não gostaram e afastaram-se.

Para estes últimos, vai com o brinde um lamento, não pelo que fizeram, mas por não ter sido, eu, capaz de fazer jus àquilo que de mim esperavam. Poderia aqui ao menos tentar explicar, tudo que fez de quem um belo dia fui, tornar-se o que hoje sou, mas o intento neste momento é brindar, não chafurdar em dolorosas memórias. Já que é o brindar, o objetivo, voltemos a ele, tentarei fazê-lo o mais breve possível. Obviamente muito ficará sem ser dito, mas pensando bem, mesmo que uma odisséia nascesse dele, algo faltaria. Ergo o copo, depois de tamanha enrolação e digressão mental, vazio, encho-o, tomo um gole para provar a bebida, afinal, nada de má qualidade será ofertado as grandes amizades.

Amizades que acompanharam-me em momentos de quase felicidade, suportaram-me na corriqueira tristeza e não deram-me as costas quando tornei-me insuportável. Mais fácil resumir desta forma, do que tentar descrever os diversos momentos em que passei a ver cada amigo, ou amiga, como tal, ou o processo inverso. Acabo então por pensar naqueles que tive em alta conta, e num derradeiro instante despencaram do cume onde os colocara, pondero se devem, ou não, ter seu lugar neste único brinde, tais pessoas. Creio que se um dia tiveram um canto em meu peito, o mínimo que merecem é estar nele. Isto se chegar a realizá-lo, visto que a tempo tento e no máximo perco-me em fúteis divagações. Desta vez, antes mesmo de levantar o copo, sei que ele se encontra vazio, erro que prontamente corrijo, e enquanto o faço, imagino se não sou hipócrita.

Isto porque sempre tive tempo, de sobra por sinal, de brindar este brinde, mas nunca o fiz, ato solitário, meu copo batendo contra o nada, simples e incrivelmente importante, e ainda assim, até hoje deixado de lado. Acredito que certos acontecimentos acabaram por mudar um pouco minha maneira de ver, acontecimentos que ficam para uma próxima. Confesso que não sinto-me confortável tendo a noção de que somente por algo, um tanto drástico, ter sido trazido a minha atenção, faço algo que há muito deveria ter feito. Percebo também que os espaços entre devaneios e o vazio do copo se estreitam, então torno a encher o copo, ergo-o ao limite de meu braço direito e brindo sem pensar:

-Aos amigos e amigas, irmãos e irmãs, agradeço-os por darem-me a honra de os chamar assim. Vejo-os em breve, nesta vida ou numa outra.

Baixo o copo, tão satisfeito quanto me é possível, e torno a beber, desta vez livre da tarefa de pensar.

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 26/08/2011
Reeditado em 26/08/2011
Código do texto: T3183360
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