Sobre a canção de ninar

   As crônicas da Betty Milan são ótimas. 
   Leio as que os jornais e as revistas publicam e a Internet divulga. Gosto de tudo que ela escreve.
   Da Betty, acabei de ler Paris não acaba nunca, e, de repente, me vi de volta às escadarias da Basilique du Sacré-Coeur; ao segundo estágio da Torre Eiffel; ao bateau-muche percorrendo o Sena; e andando pelo Jardin des Tuileries, a caminho dos Champs-Élysées.  

     Muito bem. Na revista Veja desta semana, na página que lhe é confiada, Betty Milan toca num assunto que me comoveu, e me mandou direto pros meus tempos de berço.
   Berço, não. Como sertanejo cearense, fui, recém-nascido, embalado em redinhas coloridas feitas no tear do seu, do seu... não me lembro do seu nome. Nada de berço.

   Com o título A ameaça da canção de ninar, a bela escritora paulista - formada em Medicina e Psicanálise - tece oportunas considerações em torno desse afável tipo de canção.

   Firmou posição contrária ao que ela chama de "canção aterradora", que são cantadas ao ouvido das crianças, para fazê-las adormecer mais rapidamente. 

     Criticando um "ator global" que apareceu com um molequinho nos braços cantando modinha de acalentar "ameaçadora", nesta frase Betty Milan sintetiza seu pensamento a respeito desse tipo de acalanto: "Como explicar a vigência de uma canção de ninar tão assustadora, se não pelo sadismo dos adultos em relação às crianças."

   Não sou psicólogo. Falta-me, por conseguinte, autoridade para, neste particular, discordar da extraordinária escritora.
    Mas, arrisco-me a divergir, dizendo que não vejo sadismo nos adultos que ninam crianças, sussurrando-lhes ao ouvido canções que possam amedrontá-las, antes do sono chegar. É ignorância mesmo.

   Talvez, nunca ninguém lhes tenha dito que a canção de ninar deve ser uma modinha serena, suave, de aquietar e jamais de assustar o bebê.
   Há até quem desaconselhe a conhecida e doce modinha do Caimmy; "Boi, boi, boi/Boi da cara preta /Pega esta menina/ Que tem medo de careta.

   Volto no tempo e no espaço para recordar que minha mãe tinha sempre uma canção diferente para ninar seus oito filhos. Que repertório!
   Dona de uma voz aveludada, a meninada, ouvindo-a, pegava no sono em questão de segundos. 
   Suas canções, dolentes e ternas, iam do Orlando Silva ao Augusto Calheiros. A gente não entendia nada, mas dormíamos sorrindo, e rápido.
   A crônica da bela escritora Betty Milan sobre a canção de ninar, está aí. De repente servirá de advertência aos adultos que ainda acham que um acalanto ameaçador faz o seu nenê dormir mais rápido. É de se perguntar: pra que tanta pressa?
       
         
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 26/08/2011
Reeditado em 21/05/2014
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