JESSIER QUIRINO E EU
Todo homem por mais bruto que seja independente da idade, quando se apaixona sofre uma metamorfose, e aquele coração de pedra se transforma em alma de poeta.
Pra falar com a pessoa amada é um uso constante e cansativo de palavras melosas e adocicadas capaz até de fazer surgir diabetes num limão verde.
Particularmente passei várias vezes por esta situação. Hoje sou um tanto quanto comedido, mas é como se fosse uma dependência química difícil de se livrar. Vira e meche, estou a fazer novamente meus versos açucarados. Tem dia que até abelhas vem ler o que escrevo.
Quando era jovem eu achava que se lesse o poema de alguém era bem provável que acabaria, mesmo sem querer, copiando algumas frases e meus poemas não seriam originais. Graças a Deus este erro, fui corrigindo quando percebi que pra escrever bem era preciso ler bastante e de preferência de tudo.
Outro dia, por conta do meu trabalho - produzo um programa de TV dedicado à arte - tive a honra de conhecer um dos maiores poetas nordestinos da nova geração, Jessier Quirino.
Eu já conhecia alguns versos dele por conta de uns amigos pernambucanos que moravam no mesmo condomínio que eu. Sempre que nos reuníamos pra bebericar e conversar sobre cultura, eles declamavam trechos de seus poemas e aquilo foi me deixando fã do seu trabalho.
Confessei minha admiração e depois de terminada as gravações do programa ele me presenteou com um de seus livros. O título é Bandeira Nordestina e ele fez questão de autografar e na dedicatória ele me chama carinhosamente de seu “cumpade”. Não se espante a palavra foi esta mesma, “cumpade”! coisas de Jessier mesmo.
O livro trás poesias sobre vários temas, mas todas numa visão simples e num palavreado peculiar ao homem sertanejo. Nele Um umbuzeiro vira uma planta sagrada. A madeira da cumeeira de uma casa cria olhos e boca e passa a relatar o que existe dentro da residência. Tem conversa de matuto com santo pedindo chuva. Tem poema de paixão escapulida. Tem poema pra os lábios da amada e até pras ancas de uma donzela. Tudo isto de uma forma que jamais tinha visto.
“Os sete molhos de beijos
Que essa boquinha enfeixava.
Não apresentava bula
Mas: me bulia
Me curava
Me dormia
Me acordava
Me setembrava de sol
De festa me desembrava
Me janeirava de férias
De tanto que me beijava”.
Jessier além de poeta é um inventor de palavras. Com elas, ele sai criando frases e versos sem compromisso com a métrica, mas de uma beleza ao mesmo tempo matuta e intelectual, de deixar qualquer imortal de academia de letras, com inveja do seu talento.
O livro Bandeira Nordestina é repleto de criatividade que contagia mesmo os que não gostam de poesias.
Após a leitura fiquei tentado a criar qualquer coisa que fosse baseado naquele estilo tão particular dos grandes poetas sertanejos e escrevi o poema que se lê logo acima intitulado "Doidinha ou amô agraudado". Mas sei que jamais conseguirei escrever algo com tanta beleza porque somente esses poetas sabem o tom exato das palavras. Só eles sabem pintar o lugar onde vivem com as cores do coração. Só eles escrevem com a alma do setão que Deus lhes deu.