Weit weg

A parede é vazia, branca. Insossa como a declamação de um poema, submetido à sanha histérica de uma moça antiga. Mas não é de poema que vive este terreno de 9 m, onde deslizam moças famintas e de olhar grave. Grave e ausente.

Toda a semana preenchida de sorrisos falsos, gargalhadas calculadas, o falso não se importar. Falsidade nos brilhos, nas cores e estampas misturadas a esmo. Tudo devidamente devorado, filtrado, estraçalhado pela lente de uma câmera, guiada por um olhar cansado e descrente, que jura amar a profissão.

O que de verdade existe em Mateus é um senso de tempo e espera, para capturar o exato momento em que essas bonecas passam, param (ou não), fazem cara de absolutamente nada, e vão embora. Embora para trás da parede branca, construída para traduzir limpeza, sofisticação, um não ser excessivo....e quer dizer apenas....nada. Vazio pleno de todas a idéias, de toda a inteligência, de toda a naturalidade.

São milhares de quilômetros percorridos por semoventes esquálidas, numa tábua incômoda, acompanhadas de uma música que diz.....nada. De um ser “cool”, que só denuncia a insegurança, o pavor, a angústia......

É um mundo sem cura, feito do passado, que quer ser definitivo...Definitiva é apenas a espera. E o inferno não é feito de escuridão. É feito de espera. A espera que diz: deixe-me saber. Parece que se tocar a mão qualquer, poderá saber e mudar tudo. Não há mãos. São pequenos monstros quebrados, pequenos elementos da náusea.

E entre todas, surge uma luz, arrastada pelo refletor, e que parece abrir suas asas, como que pronta para salvar Mateus de um eterno inferno, no final da passarela, amontoado junto a dezenas de outros olhos famintos, de outras máquinas para capturar almas frenéticas.

Essa é a luz que se busca num mundo feito não de sombras, mas de brancura eternamente desinteressante. Eternamente alheio. Nunca pertencente ao olho que busca o conforto de poder ver de perto a beleza. Essa luz chama-se Dóris. Essa luz abre asas enquanto anda, que abarcam o mundo, envenena corações por sua maldade ingênua, pela beleza que nunca escolheu ter.

Na boca, um batom em plenos 18 anos, ainda intocado, ainda corrosivo ao primeiro beijo. Ainda esquisito, ainda despreparado para a dança.

Ela se aproximou demais. O coração que carrega a câmera, quase carbonizado, quase odiosamente apaixonado, dispara sua outra luz contra o corpo que divinamente perfura a passarela com seus saltos de 20cm de altura. A luz, retorna calmamente e grava para sempre aquele rosto em tons de rosa-esquecimento na retina petrificada pela dor que causa o belo e para o cartão de memória das câmeras. Não é o instante, não é o divino.....é esse estranho momento em que o asco dá lugar à matemática que inventou o universo. É o eterno capturado como um soco no estômago, e o mágico despedaçado para criar a lógica.

Amor não tem a ver com inexplicável. Tem a ver com o que todo mundo sabe, porque as engrenagens do que sempre existiu sem nome se movimentam finalmente.

E é por isso, que em meio à gente colorida, plastificada, recortada, pequena, no meio dos borrões que se tornaram a face das irrelevâncias, surge alguma coisa que vale a pena ser perseguido.

Mateus interrompe o ato mecânico. E ela desaparece atrás da parede branca. O que teria sido aquilo? O que teria sido esse instante em que a dor passou? O que teria sido esse momento em que pareceu que o céu havia se acabado? Sempre indo embora?

Um fio de desespero percorre cada espaço detestável de seu corpo. Estático como os poemas declamados por moças muito, muito antigas, ele tenta sair, tem que gritar, tem que correr...mas para onde?

Depois de se entoxicar pelos cigarros de gente pouco íntima, de odiar cada instante em meio ao caos da elegância, alguma coisa apunhalou sua mente, e estraçalhou suas perversões. Pensou: “look at all the lonely people.......” E eu não vou curar o mundo...

É tudo rápido como sentir-se bem.

Vazio, parede branca. Onde foram todos? Onde foi Dóris? Provavelmente virou lenda e voou para longe.

Mateus não é nem nunca foi um poeta. É um serviçal em função do estupro da inteligência. Cospe imagens. Ele não tem rosto. Tanto que seu estado, produto da arte da petrificação, se dissipa como uma mágica mal-feita. Nunca mais pensará em Dóris. Nunca mais será um ser crédulo.

Eu, só posso observar. Quase indolente. Porque nada mudou. Nada realmente existiu. E sei que ele pede o fim todos os dias. Mas quem se importa? A civilização?

Ele pensa: “Você acredita? Tem fé?.”

Não pise no meu Dior.