Obrigada a Desistir
Havia acabado de acordar. Sonolenta, fui até à cozinha, onde mamãe coava o café de forma incomum: coador às avessas, açúcar ao invés de café moído, falava com tom de fofoca. Atordoada, resolvi perguntar o que havia acontecido.
-Minha filha, Eva foi obrigada a desistir. Eu não acredito que seu pai perdeu esta! Ficou de papo para cima, com a boca escorrendo baba, largado no sofá, enquanto passava a nossa canção! Aquela que a própria Eva também precisou ouvir...
Então entendi a razão do café mal feito: papai não lhe deu a atenção que mamãe queria que lhe fosse dada. Que vingança! Tanto que pai gosta de um bom café...! Mas, espere... Obrigada a desistir? De quê? Por quê? Canção? Que canção?
A mulher tem um sentimento que pode ser tanto o mais bonito, quanto o mais feio que uma criatura terrestre pode ter: o amor sem fronteiras. Ou seria melhor, a esperança além da cegueira? É verdade que o homem também pode amar, mas dificilmente seria capaz de ir em busca de uma mulher que há mais de 35 anos prometeu que seria seu amor eterno!
Eva era uma dessas mulheres sonhadoras, persistentes... Mas, diferentemente das mocinhas dos cordéis encantados, ela fazia questão de se entregar às pecaminosas lascívias carnais. Não, ela não era uma... mas, vou te contar. Êta bicha assanhada! Era no ônibus, no trabalho, na roça, no cemitério... onde encontrasse farinha do mesmo saco. Porém o único lugar que ela mantinha todo o respeito ( se é que um dia ela teve algum), era na Igreja, pois, como pensava ela, era a Casa de Deus. O respeito era tão grande que achava não ser digna de entrar lá, por isso, nunca se casou.
Dentre tantos e tantos que passaram por sua lista, havia um que ela jamais esquecera. A sua voz, o seu olhar, o seu sorriso... Tudo lhe deixava arrepiada. Era um homem bonito e verdadeiro. Seu apelido era Paraná. Ele tinha qualidades notáveis e uma em especial que Eva ainda não havia encontrado em nenhum outro homem: uma forte religiosidade!(até hoje não sei o que era maior: a quantidade de santos da qual ele era devoto ou as paixões de Eva ao longo dos anos).
Certo dia a fé de Eva precisou ser testada:
-Evinha, estou indo para São Paulo tentar uma vida melhor, mas te prometo, nega, não importa quanto tempo passe, ainda virei te buscar.
O tempo passou e Eva manteve-se apegada a tal promessa. Ela teve outros homens: solteiros, viúvos, desquitados... Mas nunca havia se esquecido de seu grande amor. até que um dia criou coragem e foi à procura de quem tanto a amou.
Chegando à capital bandeirante, pediu ajudaa uma equipe de reportagem. Procuraram por toda região metropolitana e nada. Então ela se lembrou do apelido dele: Paraná. Nem mesmo assim conseguiu notícias. Apelou aos santos. Fez promessa de só se encontrarcom ele diante do altar. Vestida para casar.
Deus atendeu às preces. Os repórteres acharam o Paraná. Cabia a ela cumprir com o prometido. E marcaram o encontro pra semana seguinte.
Um dia antes do evento ela resolveu se confessar. Foi à Igreja mais próxima. Quando o padre começou a falar, ela sentiu um arrepio, uma sensação que há décadas não experimentava. Como pôde sentir um sentimento tão estranho por um padre? Voltou para casa encabulada.
Diante da expectativa do reencontro, não dormiu. Passou a noite em conjecturasa respeito do noivo: será que estava velho, feio e acabado? E se ele tivesse se casado? Como seria sua entrada? E a marcha nupcial, carro chefe de todo matrimônio? Ela pensava em todas as possibilidades, ou melhor, em quase todas. Estava confusa.
Na hora marcada a Igreja estava lotada de curiosos, câmaras espalhadas pela Igreja e um burburinho acerca do final feliz. Começou a achar que estava cometendo uma loucura, mas foi adiante, pé ante pé, ao som de uma música da Amado Batista que em nada tinha a ver com o momento. Chegando ao altar caiu em si para o ridículo da situação, pois não havia noivo nenhum. Olhou para o padre e empalideceu. A imagem de Paraná vestido de padre foi a última coisa que viu antes de desmaiar.