A Batalha Silenciosa ( série um paulista em Salvador )
A Batalha Silenciosa
Jorge Linhaça
Gosto de caminhar por lugares comuns da cidade e não pelos pólos de atração turística pré-definidos. Talvez por isso minha visão das urbes seja um tanto quanto diferente, minha atenção volta-se para as pessoas comuns e não para os monumentos ou estereótipos tidos como referência cultural. Esse meu olhar diferenciado me faz perceber coisas que passam desapercebidas até mesmo aos habitantes locais por já estarem, quiçá, incorporadas à sua paisagem cotidiana e não terem nenhum apelo chamativo.
Aqui em Salvador tenho percebido uma batalha silenciosa mas bastante pungente no que diz respeito ao pequenos comerciantes e ambulantes. Não..não é uma guerra é apenas uma personificação do pensar religioso desses trabalhadores.
Talvez essa batalha por clientes tenha começado com a "Guerra do Acarajé x Bolinhos de Jesus" já que existe uma contenda nesse sentido. Explica-se...o governo local exige que para vender acarajé é preciso estar vestido de "baiana" com aqueles trajes típicos de filhos de santo. Alega-se que é uma expressão cultural e que por isso é necessário manter a tradição dos trajes. O Akará ( nome africano do equivalente ao bolinho de feijão fradinho frito no dendê) quer dizer literalmente "bola de fogo".O "jé", veio da fragmentação de uma palavra iorubá ( ajeun )que significa comer, assim surgiu a palavra baiana para o Akará. As escravas vendiam o quitute gritando Akará ajeun, com o tempo e talvez por fome, comeram a última sílaba e virou acarajé...
Bom, não é minha intenção um compêndio sobre o acarajé, portanto deixemos as pesquisas gastronômicas para outra ocasião.
Natural que os evangélicos não queiram usar vestimentas que remetam à lembrança dos cultos afro-brasileiros, assim sendo, recusam-se a vestir-se segundo as exigências e alguns até mudaram o nome do bolinho para bolinho de Jesus ou acarajé Gospel...acho que cada um é cada um mas creio ser desnecessária essa mudança de nome a não ser que o intento seja driblar as normas estabelecidas o que podemos ponderar se enfim é ou não uma atitude cristã...
Mas não fica apenas o acarajé a auto-publicidade de boa parte dos evangélicos por aqui, em qualquer barraquinha de frutas, carrinhos de mão, bancas de flores, batatas fritas, pastéis e mesmo em triciclos de vendedores de CDs e DVDs é comum encontrar a frase " Deus é Fiel"
ou outras parecidas.
Não deixa de ser curiosa essa necessidade de auto-rotulação desses trabalhadores, talvez seja uma estratégia inconsciente para atrair um público consumidor que a cada dia ganha mais adeptos, talvez seja consciente ou apenas uma imitação do que alguém fez um dia...sabe-se lá, o que é patente é que o movimento existe, já vi até uma lanchonete aqui em Roma ( bairro de Salvador) que abaixo do nome ostenta em letras grandes " Point Gospel ".
Verdade seja dita, com o crescente número de conversos de várias denominações ditas evangélicas, cria-se um novo nicho de mercado onde o diferencial de produtos e atendimento pode gerar uma boa perspectiva de lucros. Lanchonetes e Restaurantes pensados para atender famílias cristãs podem ser uma opção muito interessante para os pais que se preocupam com ao que seus filhos são expostos em ambientes aparentemente inocentes.
O interessante de se frisar é que, não basta o cidadão colocar na plaquinha " Deus é Fiel"; "Jesus Te Ama"ou que frase for, se o seu comportamento, enquanto comerciante, não for dos mais honestos.
Se os produtos já estão "passados"; se a higiene não é das melhores,
talvez fosse melhor mudar a frase para " Jesus te Chama" pois a chance de se ficar enfermo nesse tipo de situação é bem considerável.
O mais importante é lembrar que essa "batalha" não aparece, ao menos nas ruas, com agressividade ou belicosidade, está mais para um identificação do que para uma contestação de afronta.
Mudar o nome do acarajé parece-me uma grande besteira, não é porque o mesmo é usado em rituais de oferendas a Iansã que todo acarajé segue o mesmo caminho, aliás, se fosse assim ninguém mais comeria frango com farofa já que os mesmos estão presentes em muitos despachos por aí. O quiabo está presente em outros "pratos de santo" como o caruru e nem por isso o quiabo é do diabo, apesar da semelhança no nome, oras bolas.
Aliás...pipoca também entra nessa lista...e por aí vai...sendo assim quem se recusa a comer acarajé por ser comida de santo , há de, se fizer uma pesquisa gastronômica mais séria na Bahia, passar fome em muitas ocasiões.
Aliás, é bom lembrar que pombas, carneiros, bois, bodes e etc eram sacrificados a Deus no velho testamento e até mesmo na época de Jesus mas o que era sacrificado ou oferecido a Deus não tornava impróprio para o consumo os demais representantes das mesmas espécies.
Enfim, Salvador é um celeiro imenso de diversidade e um lugar aonde ainda existem profissões e ocupações que já não vemos na maioria dos lugares...
A Batalha Silenciosa
Jorge Linhaça
Gosto de caminhar por lugares comuns da cidade e não pelos pólos de atração turística pré-definidos. Talvez por isso minha visão das urbes seja um tanto quanto diferente, minha atenção volta-se para as pessoas comuns e não para os monumentos ou estereótipos tidos como referência cultural. Esse meu olhar diferenciado me faz perceber coisas que passam desapercebidas até mesmo aos habitantes locais por já estarem, quiçá, incorporadas à sua paisagem cotidiana e não terem nenhum apelo chamativo.
Aqui em Salvador tenho percebido uma batalha silenciosa mas bastante pungente no que diz respeito ao pequenos comerciantes e ambulantes. Não..não é uma guerra é apenas uma personificação do pensar religioso desses trabalhadores.
Talvez essa batalha por clientes tenha começado com a "Guerra do Acarajé x Bolinhos de Jesus" já que existe uma contenda nesse sentido. Explica-se...o governo local exige que para vender acarajé é preciso estar vestido de "baiana" com aqueles trajes típicos de filhos de santo. Alega-se que é uma expressão cultural e que por isso é necessário manter a tradição dos trajes. O Akará ( nome africano do equivalente ao bolinho de feijão fradinho frito no dendê) quer dizer literalmente "bola de fogo".O "jé", veio da fragmentação de uma palavra iorubá ( ajeun )que significa comer, assim surgiu a palavra baiana para o Akará. As escravas vendiam o quitute gritando Akará ajeun, com o tempo e talvez por fome, comeram a última sílaba e virou acarajé...
Bom, não é minha intenção um compêndio sobre o acarajé, portanto deixemos as pesquisas gastronômicas para outra ocasião.
Natural que os evangélicos não queiram usar vestimentas que remetam à lembrança dos cultos afro-brasileiros, assim sendo, recusam-se a vestir-se segundo as exigências e alguns até mudaram o nome do bolinho para bolinho de Jesus ou acarajé Gospel...acho que cada um é cada um mas creio ser desnecessária essa mudança de nome a não ser que o intento seja driblar as normas estabelecidas o que podemos ponderar se enfim é ou não uma atitude cristã...
Mas não fica apenas o acarajé a auto-publicidade de boa parte dos evangélicos por aqui, em qualquer barraquinha de frutas, carrinhos de mão, bancas de flores, batatas fritas, pastéis e mesmo em triciclos de vendedores de CDs e DVDs é comum encontrar a frase " Deus é Fiel"
ou outras parecidas.
Não deixa de ser curiosa essa necessidade de auto-rotulação desses trabalhadores, talvez seja uma estratégia inconsciente para atrair um público consumidor que a cada dia ganha mais adeptos, talvez seja consciente ou apenas uma imitação do que alguém fez um dia...sabe-se lá, o que é patente é que o movimento existe, já vi até uma lanchonete aqui em Roma ( bairro de Salvador) que abaixo do nome ostenta em letras grandes " Point Gospel ".
Verdade seja dita, com o crescente número de conversos de várias denominações ditas evangélicas, cria-se um novo nicho de mercado onde o diferencial de produtos e atendimento pode gerar uma boa perspectiva de lucros. Lanchonetes e Restaurantes pensados para atender famílias cristãs podem ser uma opção muito interessante para os pais que se preocupam com ao que seus filhos são expostos em ambientes aparentemente inocentes.
O interessante de se frisar é que, não basta o cidadão colocar na plaquinha " Deus é Fiel"; "Jesus Te Ama"ou que frase for, se o seu comportamento, enquanto comerciante, não for dos mais honestos.
Se os produtos já estão "passados"; se a higiene não é das melhores,
talvez fosse melhor mudar a frase para " Jesus te Chama" pois a chance de se ficar enfermo nesse tipo de situação é bem considerável.
O mais importante é lembrar que essa "batalha" não aparece, ao menos nas ruas, com agressividade ou belicosidade, está mais para um identificação do que para uma contestação de afronta.
Mudar o nome do acarajé parece-me uma grande besteira, não é porque o mesmo é usado em rituais de oferendas a Iansã que todo acarajé segue o mesmo caminho, aliás, se fosse assim ninguém mais comeria frango com farofa já que os mesmos estão presentes em muitos despachos por aí. O quiabo está presente em outros "pratos de santo" como o caruru e nem por isso o quiabo é do diabo, apesar da semelhança no nome, oras bolas.
Aliás...pipoca também entra nessa lista...e por aí vai...sendo assim quem se recusa a comer acarajé por ser comida de santo , há de, se fizer uma pesquisa gastronômica mais séria na Bahia, passar fome em muitas ocasiões.
Aliás, é bom lembrar que pombas, carneiros, bois, bodes e etc eram sacrificados a Deus no velho testamento e até mesmo na época de Jesus mas o que era sacrificado ou oferecido a Deus não tornava impróprio para o consumo os demais representantes das mesmas espécies.
Enfim, Salvador é um celeiro imenso de diversidade e um lugar aonde ainda existem profissões e ocupações que já não vemos na maioria dos lugares...