CHIVAS OU IJUI

Imagine que você esteja numa cidade com bairros denominados de “Hammerstron”, “Burtet” e “Mundstock”... O mais óbvio é que tal cidade estivesse localizada no nordeste da França, próxima à fronteira com a Alemanha e que, eventualmente, tivesse sido, em algum período da história, invadida por marceneiros (hammers) ingleses que ali fixaram residência desde épocas remotas.

Pois cheguei nessa cidade às 13:00 hs do dia 14 de julho, dia da comemoração francesa pela queda da Bastilha, ou seja, o dia em que os burgueses iniciaram a tomada do poder e nunca mais pararam. Prometeram libertè, fraternitè et igualité como uma bandeira representativa da luta deles contra a monarquia e que nunca conseguiram colocar em prática por terem provado e gostado do sabor inebriante do poder...

De qualquer forma, isto aí não tem nada a ver com as sete horas que passei em Ijuí, cidade do interior do Rio Grande do Sul, que tem bairros denominados “Hammerstron”, “Burtet” e “Mundstock”.

Uma hipotética ligação com o 14 de julho poderia se estabelecer com o motivo da minha estada em Ijuí. Acredito que, duzentos e vinte anos depois, a luta pela justiça ainda não tenha mudado. Estava eu lá para defender uma cliente que, ao contrário do combinado, não estava me esperando na rodoviária, quando o ônibus chegou.

Olhei em volta e, apesar da fome, concluí que a oferta de refeições da estação rodoviária não me era tentadora.

Decidido a explorar a aldeia (com todo o respeito aos nativos e, também, aos exilados – quer voluntários, ou não), busquei alternativas nas redondezas.

O homem do táxi confirmou minha expectativa de que o bar denominado “BOI NA BRASA”, localizado a meia quadra da estação rodoviária, seria uma boa opção de almoço. Aliás, ele foi bem além disso, dizendo-me que era o melhor churrasco da cidade.

Como não tenho o mau hábito de desconfiar das pessoas que não conheço, fui almoçar no “BOI NA BRASA”, que oferecia, nos cartazes de entrada, “rodízio de churrasco”, com “buffet livre”.

Perguntei ao rapaz com um bloco de notas, próximo ao balcão dos alimentos, como funcionava o esquema de refeições. Disse-me ele: no momento não temos mais espeto corrido, o negócio é o buffet, mas pode conversar com o churrasqueiro que deve sobrar alguma carne no espeto.

A sobra era uma costela carregada de gordura de porco e uma tira torrada de maminha de alcatra, que o “churrasqueiro” insistia em chamar de picanha.

Resumindo, o melhor de tudo foi o refrigerante meio gelado que me ajudou a tomar o AAS 100 mg com camada protetiva, ordem do cardiologista que, acho eu, pretende me manter vivo por mais alguns anos.

Cumpridas as relações de praxe, irreprodutíveis por questões de sigilo profissional, acabei sozinho na estação rodoviária à 17:00 hs, quando o ônibus de meu retorno partiria à 19:45 hs. Duas horas e quarenta e cinco minutos a serem preenchidos por lembranças tristes e inúteis do passado ou por uma experiência nova de visita à cidade nativa de duas queridas amigas? Decidi pela segunda opção.

De pronto descobri que conhecer por inteiro a cidade era impossível. Ijuí é bem maior do que eu imaginava. E, ainda que me dificulte reconhecer, pode ter alguma beleza que se assemelhe à cidade mais bela dos pagos: Candelária.

Tendo duas horas de liberdade para excursionar, explorei o centro da cidade. Se considerar a quantidade de farmácias no centro como ponto de referência, Ijuí tem a população mais hipocondríaca que eu conheço ou, pelo menos 4/5 da população é doente.

De resto, é uma cidade que deve se orgulhar da origem gaucha: construída cobre coxilhas, assemelha-se à Roma das sete colinas. Caminhar é um desafio: as ruas sobem e descem e eu presumo que o 1/5 saudável da população não sofre de problemas cardíacos, pois pratica exercício saudável apenas por andar a pé pela cidade.

Procurei um local para fazer um lanche e tomar um drink que me relaxasse e ajudasse na longa viajem de volta.

Perambulei. Próximo à praça que esqueci o nome, encontrei o Chico’s. Meu adorado senhor protetor dos infelizes e abandonados (para não dizer Meu Deus do Céu), estava ali o mais digno representante do Tio Sam no mais remoto e iluminado rincão de minha terra natal! O Chico’s, que, segundo o cardápio, se propunha a fazer dignos hamburgers americanos e honestas pizzas napolitanas. Desconfiei da herança italiana que, embora eu tenha restritas ligações genéticas, exige um certo comprometimento emocional, preferi incursionar na experiência americana: hambúrguer recheado com bacon.

Quer uma resposta honesta? Um dia, talvez, quando todos os astros estiverem convergindo da forma mais positiva no universo e eu estiver morrendo de fome, por certo comerei aquele “hambúrguer” outra vez. No mais, prefiro o bife de frango à milanesa feito pela minha ajudante de cozinha Marta.

Frustrado e angustiado pela expectativa de seis horas de viajem de retorno, voltei à Estação Rodoviária. Eram 19:00 hs e o ônibus partiria às 19:45 hs.

Um Chivas, pensei. Que salvador seria uma dose de Chivas para enfrentar seis horas de viagem numa incômoda e inquietante (face aos questionamentos internos) jornada de seis horas!

Olhei o bar e imaginei que seria mais possível encontrar uma dose de “51” em Manhattan, do que uma dose de Chivas na Rodoviária de Ijuí.

Bingo! Quando viajar de novo a Ijuí levarei minha garrafa de Chivas, ou nunca mais votarei a Ijuí, ou nunca mais voltarei a beber Chivas...

Um abraço às minhas duas amigas queridas que “foram” de Ijuí e que hoje pertencem ao espaço que escolheram e estão, de alguma forma, incluídas no espaço que reservei para elas no meu coração, sem competir com Ijuí.

Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 24/08/2011
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