De como se abre lugar na fila

Estando eu na Rodoviária do Plano Piloto em pleno domingo à noite, e conseguindo até então escapar de todos os mendigos que tentavam me extorquir ou – pior – me abraçar, considerei prudente permanecer na fila do meu ônibus sem chamar muita atenção. Havia mais de dez pessoas na minha frente e juntos constituíamos o grupo dos felizardos que possuíam o direito moral de viajar sentado – direito este, adquirido a custa de muitos passos largos e apressados que nos permitiram chegar até a parada um pouco antes dos outros que, diante de tamanho fracasso, só poderiam mesmo viajar em pé. E tendo passado ali alguns minutos de espera, subitamente ouvi um estrondo, e dos prolongados.

Sabendo eu da qualificada estrutura da Rodoviária, e já tendo notado há algum tempo que a parte superior treme com o movimento dos ônibus, meu primeiro pensamento foi: “Alguma coisa está desabando”. Mas olhei ao redor, e assim também fizeram as outras pessoas da fila, sem que nenhum de nós visse algo capaz de desmoronar. O barulho aparentemente já havia cessado, e ainda estávamos muitíssimo intrigados com o significado daquilo, quando um de nós começou a correr. E correu na direção da mureta que dá acesso ao Eixão – que, aos que não sabem, é uma grande avenida que passa embaixo da Rodoviária. Instintivamente, todos abrimos mãos dos nossos postos privilegiados na fila do ônibus e começamos a também correr para lá.

Chegando lá, o que vimos? Lá embaixo, no Eixão, havia acontecido um acidente. Como ele havia acontecido e qual era a sua gravidade, ninguém conseguia perceber. O fato é que havia dois carros, longe um do outro, e que haviam batido. E todos nós ficamos olhando, à espera de alguma coisa que acontecesse, ao mesmo tempo em que parecíamos encantados por presenciar um episódio fora do comum. Em pouco tempo, a mureta estava repleta de gente curiosa. Em seguida, aconteceu de fato alguma coisa: foi a Polícia que, depois de todo mundo, havia percebido uma movimentação estranha na mureta, e também foi até lá verificar do que se tratava. Depois de perceber que havia ocorrido uma ocorrência, rapidamente entraram em suas viaturas e para lá se dirigiram – e nós, continuamos olhando.

Da minha parte, resolvi voltar para o meu lugar tão logo vi a saída dos policiais. E devo acrescentar que, com a confusão, ganhei meia dúzia de posições na minha fila, o que significava que eu não apenas poderia sentar no ônibus, mas que inclusive escolheria algum dos seus melhores lugares. O número dos expectadores, no entanto, só aumentava, pois quem não ouviu o estrondo via agora a multidão aglomerada em cima da mureta, e tinha então certeza de que algo de incrivelmente extraordinário estava acontecendo.

E só depois de muito tempo a multidão foi se dissipando e, mesmo quando eu já havia sentado no ônibus, ainda havia quem assistisse o movimento de camarote. Ao que tudo indica, o acidente não foi de maior gravidade, pois o Correio Braziliense silenciou a respeito. E, lamentavelmente, não parece ter havido um único cronista social resmungando que só em situações de terrível curiosidade se consegue viajar sentado.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 24/08/2011
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