CATARATA

Por culpa das minhas nádegas cegas, literalmente amassei os meus queridos óculos de aro de tartaruga, - o Tracajá -, que me acompanhavam há muito e, dizem, me dava ares de intelectual aposentado, o que, até agora, não sei se à sério ou de pura gozação.

Despedi-me, saudoso, do Tracajá que vilmente deixei no balcão da ótica, inteiramente estropiado. Adeus, amigo!

Com a volúvel ansiedade do conquistador, vou à procura de outro amigo, porque como todos sabem, não se pode viver sem um,

Vamos, então, visitar o oftalmologista (por que quase todos usam óculos?) apenas para a determinação do grau de cegueira, mas uma outra coisa foi encontrada: catarata nos dois olhos! E, pelo jeito com que ele me olhou, as minhas estariam disputando, pau a pau , com as do Niagara. Em seguida, corrida para conseguir risco cirúrgico, exames complementares e, afinal, lá vamos nós para a cirurgia.

Logo de saída, como eu sou muito teimoso, a minha pupila não abria de jeito nenhum, nem com a passagem daquela enfermeira bem dotada (calma, Lee, brincadeirinha!). E a pupila alí na dela: - tô com você e não abro! Duas doses, bem medidas e...nada!

A grave voz do cirurgião, então, se fez ouvir: "..é, não tem jeito - vai ter que ser mecânica, mesmo!".

Mecânica! berrei eu; isso aquí é hospital ou oficina. Pô, eu não sou carro, meu!
- Calma, Sampa! (ah, a Lee andou conversando com ele!). Mecânica que dizer que vamos usar instrumentos para abrir sua pupila.
- O que? No meu olho? Nunquinha!
E, quando já me preparava para saltar da maca e me arriscar a desfilar com aquela camisola aberta atrás, a enfermeira (não aquela) me tacou um cala a boca e eu amoleci direto.

Não senti mais nada. Ao longe escutei a voz do médico dizendo: "Sampa (outra vez), não dorme, rapaz!". Fiquei pensando; "primeiro me dão uma injeção, eu apago e agora o homem não quer que eu durma, pode?"

Pra encurtar a estória, o resto correu numa boa e, em alguns dias, me tiraram a venda.
Legal, tudo claro! O médico estava certo quando afirmou que eu veria muito mais e melhor do que antes!
Realmente, com a retirada da "cortina" estou vendo, agora, um microuniverso; dezenas de pontinhos negros flutuam diante de mim e me seguem, mesmo que eu finja ignorá-los.

- Vai passar, dizem. Teu próprio cérebro vai te fazer "esquecer" que eles existem!

Mas, por via das dúvidas, vou deixar a cortina do outro olho bem fechadinha!


paulo rego
Enviado por paulo rego em 23/08/2011
Reeditado em 12/09/2011
Código do texto: T3177811