O Texto da Praia

O Texto da Praia







A praia é lisa, reta e firme como uma régua.

O texto da praia, excipiente.

A praia é tão sólida quanto o azul que flutua acima dela, quando as nuvens assim o desejam.

Sem jamais sofrer de fome ou sede - seu alimento vem da luz do sol e do calor do mormaço e, justamente por ser praia, com água sempre ao lado, ela resiste. De um lado, praia.

O texto da praia é uma substância mole usada para modificar o paladar de outra.

A praia foi feita para abrigar foragidos, forasteiros, trânsfugas, desvairados, sequiosos, apaixonados e preguiçosos. Em parte alguma do Todo foi dito ter sido a praia construída antes mesmo do embrião humano. Só no texto da praia. Assim, a praia esteve no Primeiro e no Sétimo Dia, já que um de seus significados extra-oficiais denota repouso. Tudo repousa na praia.

Se o texto da praia fosse líquido, beijaria a pele da praia continuamente, num fluxo refluxo cuja intensidade dependeria inteiramente dos ditados vindos de outras partes, na forma de sussurros pouco visíveis, similares a brisa que acaricia os rochedos próximos a praia.

Nem todas as praias reúnem a fortuna de terem um multicolorido vivo e ora pastel em seu derredor. Existem praias lúgubres, desfolhadas como um galho quase seco prestes a se desligar do tronco, são praias por decreto geológico e não por instante poético. Dessas, o texto da praia passa ao largo. Não se trata de uma discriminação da parte dele, trata-se de medo. O texto considera uma praia envolvida por verde e azul como um bálsamo imprescindível aos que desejam viver de vez em quando. Poucos conseguem viver o tempo todo. Os que conseguem, não vivem apenas na praia, deslizam em campinas, prados, montanhas, visitam desfiladeiros, penhascos e platôs, não temem a vida e a pluralidade das formas. Para eles, a praia não passa de uma mera opção. A praia foi desenhada exclusivamente aos que já viram as formas e delas se cansaram e aos que não as toleram nem em pensamento. A praia abordada pelo texto não comete enganos.

O texto da praia se despede sem jamais ter sido liso, reto ou firme e lembrar o firmamento que aborda a praia nas suas bordas, feito o casco de um barco impedido de navegar nas águas distantes de um mar sem fim.

O texto pretende apenas homenagear as águas que nunca chegaram na praia.



(Imagem: A. C. Sansone)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 23/08/2011
Reeditado em 21/09/2021
Código do texto: T3177005
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