Cena Urbana
Cambaleante, desceu a extensa e acentuada ladeira. Pensava na vida. Sentia-se cansado... cansado de perambular pelas ruas... de ser olhado e não ser visto, de andar entre tantas pessoas e estar só, de caminhar tanto e não chegar a lugar nenhum, de acreditar e nunca alcançar, de esperar e nada chegar, de estender a mão e recolhê-la sempre vazia.
Exausto sentou-se na sargeta e deixou-se ficar sentindo a brisa que embalava as folhas da enorme árvore num farfalhar suave. Não resistiu ao frescor convidativo da sombra e deitou-se.
Pessoas apressadas passavam cumprindo suas agendas, ganhando a vida, lutando por seus sonhos ou, simplesmente para se manter por mais um dia. Um homem deitado na rua não causava surpresa no cenário urbano já acostumado às cenas bizarras.
O sol declinava e o homem ainda em sono profundo permanecia sob a árvore que agora já não servia para protegê-lo do sol. Sonhou que tinha asas e sobrevoava uma plantação de trigo que parecia um grande lençol de ouro ondulando às refregas de vento emitindo um brilho intermitente como se estivesse coberto por milhares de pequenas luzes piscando. Margeando o campo de trigo flores, milhares delas formando um imenso tapete colorido.
Na manhã seguinte num canto da página de um jornal, quase como uma nota de rodapé uma notícia foi escrita em poucas palavras com letras pequenas: “depois de vagar pelas ruas da cidade um homem de identidade ignorada morreu de fome em frente a um supermercado”.