ASCENDENDO
Passarinhos coreografam leves e céleres passos junto aos pés dos clientes que, ao ar livres, desjejuam acomodados em mesinhas dispostas à beira da alameda. Isto mais pareceria se retratar o trecho do artigo de um diário campesino qualquer. Conquanto inusual, a cena é real e se repete nestes dias de verão numa agitada metrópole da costa atlântica no hemisfério norte.
Até bem pouco tempo, aquelas dóceis criaturinhas só eram avistadas em seus raros voos sobre nossas cabeças, em perigo nas copas das árvores ou, quando muito, aventurando-se audazmente nas breves escalas em telhados dos imóveis citadinos. Ressentiam-se de segurança e liberdade, em razão da rápida e continuada expropriação de seu habitat natural, da profusão de agrotóxicos e de outras formas de contaminação nos campos, assim como da caça indiscriminada em meio as demais hostilidades perpetradas por seu predador, o ente (des)humano.
Hoje, talvez prioritariamente refletindo sobre os riscos da própria destruição, as comunidades urbanas assumem nova postura. Ultimamente, grupos ecológicos com movimentos verdes promovem, por exemplo, caminhadas pela vida e tantas iniciativas similares de conscientização, motivados por sentimentos relativos à preservação do planeta e das espécies que ele abriga. São estas atitudes que propiciam bucólicas relações como a harmoniosa interacão da gente com aqueles graciosos seres.
Ícaro nos invejaria, nestes dias! já nos importa deixar as aves em paz, livres de quaisquer temores, assim como nós mesmos aspiramos nos aproximar do sol e do mar sem receios de que, expostos ao calor, a cera que fixa nossas asas não irá se derreter; ou que as asas que nos darão sustentação, se umidecidas, não se tornarão excessivamente pesadas para a almejada ascensão. Isentos de ameaças, podem agora os pássaros colher grãos na palma de nossas mãos. E, ao redescobrir o equilíbrio pró preservação do ecossistema, iniciamo-nos no processo da aprendizagem do solfejo de gorjeios. Prazerosa é essa interação, para uns e para outros. Tornamo-nos assim mais aptos a nos elevar, para plainar nas alturas.
O homem finalmente repensa o impacto de seus atos e valoriza as diversas manifestações de vida; a natureza agradece. Em resposta, ao se aproximar com despojamento de sobressaltos, apresentando-se menos ariscos, aqueles frágeis passarinhos sinalizam que o homem está fazendo a opção acertada para se reconciliar com o Criador.