Dos Margaritas

Os moradores de Brasília estão muito bem informados sobre a marcha – mais uma – que aconteceu por aqui na última quarta-feira. E não tanto porque as suas causas sejam justas, mas especialmente porque ela atrapalhou o trânsito e atrasou a ida de pessoas ao seu local de trabalho. É isso que as marchas causam por aqui e, a julgar pelos meios de comunicação, é nisso que reside a verdadeira notícia – o motivo da marcha só é anunciado ao final das reportagens, geralmente em um curto relato que não explica grande coisa.

Foi, em suma, a Marcha das Margaridas. Ao contrário do esperado, elas não estavam marchando por coisas bonitas como a chegada da primavera. As Margaridas são produtoras rurais do Brasil inteiro que, a custa de muito esforço, viajaram até aqui para defender uma série de melhorias em suas vidas no campo. Isso é o que elas dizem. Pois, pela notícia que saiu na televisão, fiquei admirado que não saíssem da marcha e fossem direto para a delegacia, acusadas de perturbar a ordem pública.

As notícias foram bastante claras a esse respeito: as cerca de 70 mil Margaridas pegaram muita gente de surpresa, praticamente fecharam a região central de Brasília, causaram um terrível congestionamento nas principais vias da cidade, aumentaram consideravelmente o número de pessoas nas paradas de ônibus, obrigaram diversas pessoas a sair da Rodoviária para pegar a sua condução, fizeram com que muitos trabalhadores descessem dos carros e se sujeitassem a uma caminhada e, como se não bastasse, ainda fizeram questão de atrasar o início da marcha, aproveitando a hora de maior movimento da manhã e, além disso, também foram as responsáveis pelo atraso na liberação das vias, causando, em resumo, uma série de desconfortos para que chegássemos ao nosso trabalho – razão maior de termos saído de casa. Essa foi a visão passada pelos telejornais da cidade.

Pois apesar de tantos malefícios causados a nossa pobre capital, as Margaridas conseguiram ser ouvidas pela presidente Dilma Roussef – não sem antes causar os mesmos transtornos na hora do almoço, já que na ocasião elas marcharam de volta do Congresso para o Parque da Cidade, de onde haviam saído pela manhã, com o claro objetivo de prejudicar o dia do brasiliense. Pois a presidente Dilma não só ouviu as Margaridas como ainda por cima respondeu por escrito, ponto a ponto, todas as suas reivindicações. Em seu discurso, Dilma chegou a mencionar o ilustre governador do Distrito Federal, chamando-o equivocadamente de Agnelo Rossi, numa provável confusão com o Padre Marcelo.

Eis aí uma síntese desse dia tão difícil para Brasília. As Margaridas, que trouxeram para Brasília mais ônibus do que toda a frota da capital – e certamente em melhor estado de conservação – já retornaram cada qual para o seu campo. Conseguiram, é verdade, receber algumas promessas da presidente. Como nenhuma outra marcha recente conseguiu isso, é sem dúvida a mais sucedida dos últimos tempos. Mas nada disso interessou muito aos homens urbanos – que andam bastante cansados de marchas e descrentes da sua eficácia. Porque, convenhamos, a maioria das marchas não dá em nada.

Talvez se Vital escrevesse a Constituição.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 22/08/2011
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