A QUEDA DO MURO DE MOSCOW

Em todas as grandes cidades do país é sentida a carência de moradias para as populações mais humildes. Isso é um sintoma de crescimento desordenado e da necessidade de deslocamento de famílias vindas do interior no afã de encontrar uma vida mais confortável, educação para os filhos e melhores condições de vida.

Dessa forma surgiram as favelas, bolsões de famílias carentes encravados em bairros nobres ou de classe média. Essas favelas, na Bahia conhecidas como invasões foram se proliferando nas grandes cidades com a indiferença de péssimos prefeitos, sendo Salvador conhecida inclusive como uma “grande invasão”.

Hoje em dia, falando de forma “politicamente correta” essas invasões ficaram conhecidas como ocupações.

Abril de 1987. Depois da tentativa frustrada de ocupação de uma área do bairro Rio Sena, um subúrbio ferroviário, surgiu a idéia de ocupação de uma área de Mata Atlântica antes isolada, repleta de árvores nativas diversas, espécies de plantas da região e árvores frutíferas, situada na terceira etapa do bairro Cidade Presidente Castelo Branco (um subúrbio do norte da cidade do Salvador situado nas cercanias da BR-324), exatamente ao final da Rua Um, onde moradores dessa artéria aproveitavam um pedaço de terra para cultivar hortaliças e árvores frutíferas. Essa mata servia como uma espécie de pulmão para Castelo Branco .

Em Salvador, quiçá em outras cidades do nosso país, as ocupações sempre surgem em períodos de transição de governo, quando a vigilância dos governantes se torna vulnerável pela falta de quem frustre esses invasores que chegam a fim de tomar posse de terrenos que consideram baldios para construir suas moradias.

Isso não foi diferente, naquela área da Rua Um da Terceira Etapa de Castelo Branco. Pessoas vindas do interior, de municípios como Jiquiriçá, Itaberaba, Ipirá, Mutuípe, Riachão do Jacuípe e outros apareceram para cercar áreas com o intuito de construir seus barracos que futuramente serviriam de moradias.

Esses primeiros habitantes chegados ao novo bairro eram pessoas necessitadas de um teto para moradia em sua maioria, muitos desempregados, que tiveram conhecimento do local por informações boca a boca, já que era possível invadir áreas da cidade aproveitando a inércia dos poderes públicos e a falta de vigilância.

Como essas pessoas pertenciam a grupos familiares desconhecidos entre si, inicialmente surgiram conflitos vários e diversificados. As rixas, brigas e discussões entre vizinhos eram constantes, mas com o tempo a população foi se estabelecendo, as amizades foram se sedimentando e já com teto para viver foram conseguindo emprego, estudo e a conquista de uma “interrelação”, uma simbiose entre si mesmos. O novo bairro foi adquirindo uma performance de cidade civilizada e ordeira.

Nesse bairro, à altura do Caminho 5, existe uma nascente que forma um riacho que se constitui num dos afluentes do Rio Cambonas que corre na baixada e serve de divisor entre as áreas de Cidade Presidente Castelo Branco e Vila Canária.

A URBIS ajudou esses ocupantes a demarcar as áreas para suas futuras residências e a cobiça por território era demasiada. Foram feitos piquetes e representantes das famílias tinham que se colocar nas áreas demarcadas enfrentando adversidades como o frio, a chuva e até mesmo a fome para conservarem os seus lotes impedindo-os de serem invadidos por outros desabrigados.

Os lotes foram logo demarcados e surgiram inicialmente barracos cobertos de plástico sendo logo trocados por compensado, com teto de ETERNIT e depois gradativamente substituídos por construções sólidas de blocos e laje.

Essas pessoas ao chegarem sentiram a desconfiança e a segregação daqueles que viviam em Rua Um de Castelo Branco que logo construíram um muro isolando o novo bairro que vinha surgindo com suas ruas de terra e moradores de classe baixa.

Inicialmente, antes da canalização, a EMBASA colocou uma linha de água com uma torneira à altura da casa de número 3, para que as pessoas pudessem se servir. A energia, antes da instalação de contadores pela COELBA era suprida com “gatos” feitos dos cabos que vinham da Rua Um.

Foi uma luta para que esses novos proprietários se fixassem nessas terras. Mas tinham a proteção de políticos de esquerda que dificultavam a presença de políticos opositores que queriam expulsá-los. Para isso apareciam defensores ditando palavras de ordem e líderes comunitários da região na luta pela fixação à terra.

Assim, esse muro era bem firme e separava Castelo Branco da nova ocupação e tiraram o acesso dos “invasores” à Rua Um. Enquanto líderes da direita tentavam “acabar” com a invasão, os defensores de esquerda travavam uma dura batalha para consolidação do bairro e conseqüentemente a derrubada do muro que impedia o acesso de transeuntes à parada de ônibus que fica bem mais ao alto, na Rua A, perto da Igreja Cristo Operário.

Finalmente, no ano de 1989 esse muro fora derrubado, bem na época da derrubada do Muro de Berlim que aconteceu em 9 de novembro de 1989, e esse novo bairro foi Loteado pela URBIS sob orientação do governador Waldir Pires que na época possibilitou a pavimentação das dez ruas da ocupação (Rua Principal e os caminhos Um a Nove) e prometeu entregar títulos de terra àqueles que após dez anos de residência fixa ainda se encontrassem residindo no local.

Ainda existe uma área de mata com árvores frutíferas no fundo da atual Escola Municipal Hilda Fortuna de Castro, que está sendo gradativamente degradada. Moradores fizeram solicitações à CONDER (que atualmente substitui a URBIS no trato com as ocupações), foram enviados técnicos para examinar a área, mas não houve interesse da entidade.

Com a queda do muro o bairro ficou sendo denominado Loteamento Moscow, de acordo com o imaginário popular, justamente por causa da derrubada do muro coincidindo com a queda do muro de Berlim, na Europa. Afinal, Berlim, ou Moscow não importa, o que interessa é que o muro que isolava essa ocupação fora derrubado e o bairro se consolidou.

Outra invasão situada por trás da caixa d’água da EMBASA, também nas proximidades, na terceira etapa de Castelo Branco ficou denominada Moscow I, enquanto que a comunidade mais antiga, onde acontecera a queda do muro ficou conhecida como Moscow II.