O CATOPÊ E SUA CONFUSA FITARIA

Itamaury Teles (*)

No mês de agosto, o vento sopra generoso pelas bandas de Montes Claros, fazendo ainda muitos redemoinhos de poeira nos arrabaldes de ruas não pavimentadas. Aproveitando essa aragem benfazeja, os papagaios multicoloridos enfeitam o céu azul anil, empinados por hábeis mãos infantis que operam alegremente rústicas manivelas de madeira.

Mas o festival agostino de cores não ocorre apenas no céu. Nas estreitas ruas do centro da cidade também: nas bandeirolas de matizes variadas que balançam ao sabor do vento, e nas indumentárias de exuberante colorido, dos dançantes das denominadas “Festas de Agosto”.

O som de caixas e de tambores de percussão se impõe, durante três dias, marcando a cadência no desfile de catopês, caboclinhos e marujadas. Em filas indianas, os dançantes circulam pelas ruas centrais, transitando em meio a densos corredores de curiosos assistentes, que lotam os passeios públicos. Em festa mais que bicentenária, homenageiam e reverenciam Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo. E a cidade se transforma para manter acesa a chama da tradição...

Mestres Zanza e João Faria reinam absolutos ostentando vistosos capacetes de miçangas, lantejoulas e penas de pavão. Miguel Sapateiro, o mestre das marujadas, não mais se apresentou este ano. Encantou-se faz poucos meses e deixou a festa mais pobre. Fez falta a sua figura imponente e altaneira, com farda de almirante imaculadamente branca, empunhando a reluzente espada cromada em riste. Desfilava circunspecto e garboso pelas ruas à frente do seu grupo, fazendo pose para os fotógrafos.

Outras tradições, como batizar as fitas dos catopês com ajuda financeira, precisam ser preservadas. Após os desfiles, eles saem em seus trajes típicos pelas ruas, solicitando um “adjutório”. Entram em casas, cafés e bares, com seus cocares, de onde pendem longas fitas talares de cores variadas. Uma, providencialmente, é segura à mão para estimular o óbolo.

A propósito dessas fitas, algo muito interessante – que se incorporou ao anedotário dos folguedos dos catopês – aconteceu no Bar Sibéria, que se situava ali próximo à Igreja do Rosário, no início da Avenida Afonso Pena. O local era ponto de encontro de vetustos cidadãos, para uma prosa amiga regada a cerveja e “Viriatinha”, nos lusco-fuscos. Principalmente porque ali se podia degustar o melhor tira-gosto da cidade: o famoso “espetinho de carne do Sibéria”.

No referido bar, havia um espaço denominado “reservado”, onde as pessoas que queriam manter a bebedeira no anonimato ficavam. Dali saíam apenas para fazer uso do sanitário ao lado, acessível por cortina de finas fitas plásticas coloridas.

Certo dia, “adentra o recinto” um catopê devidamente paramentado e fica por ali pedindo dinheiro para batizar suas fitas. A cada contribuição, podia-se dar um nó na fita ou mesmo tirar um pedaço dela, como amuleto “chama dinheiro”. E estava lá o catopezão todo prosa, quando um bebum resolve fazer uso do sanitário. Já meio troviscado, viu aquele monte de fitas coloridas na sua frente e não teve dúvidas: meteu as mãos para afastá-las e tentou entrar. Não conseguiu, claro. Na pressa que ia, bateu naquele obstáculo imprevisto e caiu ao chão, confuso, sem nada entender.

Somente depois de apurar as vistas pôde verificar que ali não era a entrada do sanitário coisa alguma, mas as fitas que adornavam as costas do pacato catopê. Este, indignado, achando que o bebum o apalpara propositalmente na região glútea, partiu em retirada e nunca mais lá voltou para batizar coisa alguma. Nem mesmo a base do balcão, com o resto de cachaça pra São Benedito, seu santo de devoção...

(*) Escritor e jornalista

E-mail: itamaury@hotmail.com

Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 21/08/2011
Código do texto: T3174234
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