Quando os sinos dobram demais...
Estamos amadurecendo e o indivíduo amadurece sobre a vontade poderosa do povo quando se opõe a maioria diante da verdade. Aqui nesta pequena cidade de extremadura não faz tempo que os sinos dobravam com calma e tranquilidade. Alguns minutos de sino soam como melodia. Vinte minutos de sinos soam como desespero, fogo, terremoto, invasão territorial... Às dez horas da manhã os sinos da Igreja Matriz explodem sem limites nem piedade. Se alguém passou a noite inteira cuidando de doente procura dormir para recuperar as forças emocionais e físicas. No domingo acordará sobressaltado. Mesmo que fosse um bêbado pândego degenerado que tentasse descançar até o meio dia refrescado também teria o direito de roncar o quanto quisesse, todavia jamais ser acordado pelo excesso de sino.
Nada mais singelo e bonito do que o toque suave dos sinos nas manhãs claras de domingo.
Quando desapareceu o sino da torre quebrando a musicalidade do outro restante escrevi uma crônica anunciando seu desaparecimento. Trinta e nove mil habitantes não haviam notado essa fantasmal ausência de quase uma tonelada por longo tempo. O sino voltou. Talvez por vingança esteja dobrando como louco. Nunca imaginei que fosse endoidecer, antes não era assim até porque muitas vezes fui eu quem badalou o bronze na condição de coroinha. Coisas da infância.
Li no jornalão o caso de um cidadão, aqui no Rio Grande do Sul, que estava sendo perturbado de modo brutal por um desses objetos desvairados. No caso dele era pior porque batia de modo intermitente durante todo o dia. Sujeito trabalhador, direito, suportando nas imediações essa torturante agonia, resolveu tomar uma atitude. Solicitou as autoridades a providência que nem precisava ser divina apenas sensata. Resultado: a Câmara de Vereadores se reuniu para fazer valer a vontade de sino da maioria. Sino constante decinco em cinco minutos e foi ainda mais além, lhe concederam o nobre título de “persona non grata” no maior exemplo de bulingue da história política nacional neste estado progressista. Minha solidariedade laica a este cidadão de bem. Imperturbável em sua retidão de brasileiro pacífico, mesmo caído no vazio das suas honradas súplicas.
Histórias como estas se acumulam. Há o caso de um templo que fica na Rua da Educação número 10 que costuma cantar, gritar, bater palmas durante longas horas. Caixas de sons gigantes povoam os ares de trêmulas aleluias. O morador em frente resolveu dialogar com o encarregado do ritual. De nada adiantou. O inferno sonoro continuou. Talvez por medo de procurar as autoridades “competentes” e sair do caso com o título nobiliárquico de “pessoa não grata” deixou o carro estacionado em frente do templo na hora do ritual. Quando começou a festa sagrada adicionou aquela saivada de “aleluias” o cântico monocórdio dos sertanejos “cowboys” dos nossos atuais universitários graduados. Foi uma loucura. Uns batiam palmas, outros pranteavam, outros dançavam, ninguém mais se entendia dentro dos olhos e ouvidos surdos das divindades invocadas.
Antes os templos eram reflexivos agoram são espetaculares.