O ENCONTRO

Na tarde ensolarada eu caminhava. Ao calor escaldante dei minha resposta: um sorvete! Atravessei a rua e entrei na sorveteria. A senhora que ali estava atendeu-me sorridente: ‘pois não’?! O sorriso, maior que sua alma, arrancou-me uma recíproca: ‘um sorvete, por favor... de ameixa, se tiver’. Outro sorriso e uma afirmação: ‘huuummm! É o meu preferido. Só um minuto e já lhe atendo’. A senhora afastou-se e em segundos retornou trazendo-me o pedido: ‘aqui está, de ameixa’. Meus olhos mergulharam na gélida e suculenta paisagem, enquanto minha boca banhava-se em salivas. Por entre sorrisos, paguei-lhe e saí.

Na calçada, em frente a uma lixeira estava o menino. Nossos olhos se encontraram ao acaso e arrancaram-me um outro sorriso. Instintivamente levantei a mão que segurava o sorvete e lhe ofereci: ‘quer um sorvete’? Levantando as mãos mostrou-me o palito e a embalagem de um picolé e respondeu: ‘não, obrigado. Acabei de chupar um’.

O menino caminhou até a lixeira e depositou ali o lixo. Virou-se e quando se preparava para seguir seu caminho um senhor, já de meia idade, cortou-lhe o caminho, apressado. Levou a mão à boca deixando ver o cigarro. Tragou rapidamente e jogou a bituca no chão. A resposta do menino foi imediata: ‘senhor? Senhor’? O homem parou bruscamente e voltou-se para o menino que, mais veloz que meus pensamentos soltou a bomba: ‘o senhor ama a Deus’? O homem olhou-o em silêncio. Parecia estar como eu: estarrecido. A resposta não veio em palavras. O menino replicou: ‘o senhor ama a Deus’? O homem abaixou-se e passando a mão sobre a cabeça do menino perguntou: ‘por que me perguntas’? O menino repetiu pela terceira vez: ‘você ama a Deus’? O silêncio parecia eterno entre eles. O senhor abraçou o menino, que por segundos ficou inerte. Passou novamente a mão por sobre seus cabelos. Apanhou a bituca do chão e, abrindo o bolso do paletó pegou a carteira de cigarros. Amassou-a fortemente e a jogou na lixeira. Olhou para o menino e, sorrindo, retomou seu caminho. Meus olhos o acompanharam vendo-o sumir por entre as pessoas que passavam. Não sei por quanto tempo fiquei parado naquela posição. Quando me dei conta o sorvete havia derretido e o menino não mais estava ali. Corri até a esquina e nada! Voltei à sorveteria e um senhor me atendeu: ‘pois não’? Seu sorriso, embora cativante, de nada lembrava a doce senhora que minutos atrás me atendera. Hesitei em perguntar. Sem palavras, gesticulei timidamente e tomei a calçada. Na mente, uma pergunta ecoava sem resposta: você ama a Deus?

Hoje, quase trinta anos depois, pareço estar mais próximo desta resposta: ‘não é possível ao homem amar o Criador sem amar sua criação. Não é possível chegar ao criador sem estar em relação íntima com o homem, imagem e semelhança do Pai, e com a natureza - frutos do amor eterno. O amor é um fio de ouro que perpassa toda criatura e a une ao Criador. Para encontrá-Lo, basta caminhar por este fio, na direção do Outro. O verdadeiro amor exige que nos conheçamos a nós mesmos e, de posse do ‘si mesmo’, intencionalmente, busquemos no Outro, fora de nós, a presença do Eterno: Amor que nos restaura e nos plenifica. O amor reside também em nós, mas quando o encontramos em nós mesmos, sem passar pelo outro, nos tornamos egoístas, possessivos, e excluímos o Outro das nossas vidas; impedimos que o amor frutifique e se espalhe. É no Outro que mora a felicidade’.