Em noites chuvosas, também há estrelas!

Ao contrário da maioria das crianças de sua idade, preferia as noites. Gostava muito daqueles pontinhos brilhantes espalhados pelo céu. Sabia que as estrelas tinham nomes, mas como não os conhecia, rebatizava-as. Vênus ganhou nome de Lanterna, Sirius era Olho de Boi, e assim ia nomeando as mais brilhantes. Dormia perto da janela, pelas frestas, mirava o céu até adormecer.

A lua era sua companheira, nas noites que ficava grandona gostava de ficar olhando-a e imaginando a cena antológica de São Jorge matando o dragão, entalhada na superfície lunar. Imaginava a batalha minuciosamente até pegar no sono.

Não gostava de noites chuvosas. Era como se colocassem um venda em seus olhos, e sentia muito a falta das estrelas. Haviam os relâmpagos, mas não eram a mesma coisa.

Tinha sete anos, era magricela, e possuía um par de olhos fundos, de uma cor difícil de definir. Trazia os cabelos sempre curtos Como não gostava de pente, era a única forma encontrada pela mãe de manter os piolhos, tão comum entre as crianças, bem longe.

Os irmãos mais velhos, todos crescidos não lhe davam muita bola, o caçula, era muito pequeno e mimado. A mãe estava sempre ocupada em seus afazeres, e o pai vivia trabalhando, saía de casa muito cedo e chegava quase sempre a noitinha. Naquela casa conversa-se só o essencial. Se refugiava no quintal, pois era lá que sua tagalerice vinha à tona. Soltava a imaginação, e assunto é que não faltava com seus amigos imaginários. Não foram poucas às vezes em que a mãe, lá de dentro da casa gritou e perguntou se havia mais alguém fazendo-lhe companhia.

Nascera naquela fazenda, seu mundo era ali. Imagina-se que seja pequeno, mas como era vasto! A grandeza daquele lugar não a impediu de buscar conhecer cada cantinho, por mais escondido que fosse. Córregos, ladeiras, grotas, cada ninho de passarinho, cada casa de joão-de-barro. As árvores eram divididas em duas categorias: as subíveis e as não subíveis, pois algumas, só os pássaros conseguiam chegar aos galhos mais altos. Adorava encontrar os lugares onde os vaga-lumes ficavam escondidos durante o dia, para onde passarinhos iam quando a chuva caia, de onde vinha a água transparente que corria pelo seio da mina, e os peixinhos que apareciam dentro do poço, sem ninguém tê-los colocado lá, e onde era a saída dos vários buracos de tatus espalhados pelos barrancos da fazenda. Em seus planos também estava descobrir para onde a lua ia quando desaparecia depois de ficar fininha, da grossura de uma unha cortada.

Com oito anos, foi para a escola pela primeira vez. Aprendeu a ler primeiro que todos os outros da sua idade. Seus olhinhos brilhavam cada vez que fazia uma nova descoberta. Quando chegava em casa, arrastava os cadernos para onde ia. Como dentro da casa não possuía um cantinho para chamar de seu, passava horas, na sombra de uma mangueira, com um livro no colo. Com a leitura, descobriu que não precisaria ir muito longe para desbastar terras longínquas, e que nas noites mais chuvosas e nubladas as estrelas estão lá, só esperando uma deixa para brilhar. A partir de então, seu mundo que já era grande, agora seria infinito!

Dedico este texto a todos, que assim como eu, tiveram o privilégio de viver sua infância na roça! Um grande abraço!

Meire Boni
Enviado por Meire Boni em 20/08/2011
Reeditado em 21/08/2011
Código do texto: T3171152
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