Aquiles e Heitores

Ontem à noite, por falta de opção melhor, acabei assistindo pela TV o filme Tróia (2004) que entrou pela madrugada, colaborando com minha tendência natural de dormir tarde. Trata-se de uma versão recente de um emblemático tema cantado pelos poemas épicos de Homero, alguns séculos antes de Cristo. Eu já havia visto ainda menino, na escura tela de um pequeno cinema do interior, outro filme, bem mais antigo, chamado Helena de Tróia (1955), que abordou com sucesso o mesmo tema, deixando em minha mente algumas passagens marcantes da história. Como todos sabem, trata-se da guerra e destruição da cidade de Tróia pelos gregos, ultrajados pelo rapto de Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, pelo príncipe troiano Paris. A história contempla aventuras, ambições, amores, guerra e destruição, porém, nada me chamou mais atenção do que a comovente figura de Heitor, príncipe de Tróia, cuja liderança e principalmente caráter, originou um modelo de conduta, que bem poderia ser observado e seguido na educação de nossas crianças. O filme, que exalta a violência, a força e a vaidade do controvertido Aquiles, deixa transparecer, ainda que em segundo plano, a retidão e os valores morais e patrióticos do bravo Heitor. No blog do jornalista José Ruy Granda: http://gandra.wordpress.com/, encontrei uma notável descrição do herói troiano, representante humano em uma época de mitos. Escreve o autor: “Nenhuma história é tão tocante ou emblemática quanto à velha Ilíada. Uma trama maravilhosa, cujo ápice é justamente a batalha entre Aquiles e Heitor. O supremo embate mitológico. Aquiles é uma tempestade humana, um cortador de gargantas. Filho de uma deusa, Tétis, é invulnerável. Como todos nós, Heitor era um simples mortal. Bom pai, guerreiro incansável e comandante leal. Ambos sabem que, breve, morrerão. Heitor matara Pátroclo, amigo e amante de Aquiles, imaginando tratar-se do próprio. Sabe que, cedo ou tarde, terá de encarar a fúria do verdadeiro rival. Aquiles seguira para a guerra, quase dez anos antes, sabendo que jamais regressaria à Grécia natal. Agora quer que Heitor, o príncipe herdeiro de Tróia, seja seu derradeiro troféu. O combate será desigual – e Heitor sabe disso. Mesmo assim, naquela manhã cheia de agouros, após beijar sua mulher e seu filho, parte serenamente ao encontro de seu destino: ser morto pela lâmina do grego e ter seu corpo arrastado diante das muralhas que tão bravamente defendera, sob o olhar de sua família e seu povo". E o bloguista arremata: "fico feliz que as preferências homéricas de meu filho e as minhas próprias sejam coincidentes – e tenham recaído sobre o troiano Heitor. O domador de cavalos. O defensor de muralhas. Um herói sem artifícios”. Como também penso, na sociedade que hoje vivemos, existem muitos mitos ligados às proezas de Aquiles. Se valorizados, continuarão produzindo novos Aquiles. Aquiles que se vangloriam do poder. Aquiles que prezam a mentira. Aquiles que usam a força e a coerção para obter vitórias. Aquiles que acobertam o que deveria ser denunciado. Aquiles que destroem famílias, atropelando e matando com seus bólidos blindados cidadãos inocentes que caminham corretamente pelas ruas da cidade. Como bem disse o jornalista no seu blog: - “já existem Aquiles demais neste mundo”.