SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA... /parte 2
SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA... / parte 2
"Cada um de nós tem sobre si o peso
de todos os séculos" -- J. MORLEY
"Alguns pensamentos são preces... há
momentos em que, qualquer que seja a
posição do corpo, a alma está de joelhos"
VICTOR HUGO
(OBS: citados por ALBERTO MONTALVÃO
in "Moderna Enciclopédia de Relações
Humanas",1979, Novo Brasil Editora/SP)
E chegamos a 1969, meu primeiro emprego oficial, com férias, 13º salário, FGTS (que nem sei se existia ainda), horário fixo, uniforme e tudo o mais. Antes (e depois) dele, várias boutiques no meu "Curriculum Vitae", exigência número 1 dos futuros patrões. O problema de se trabalhar em boutiques naquela época é que o office-boy "faz tudo" não tinha descanso. hora de almoço nem horário para sair. Na véspera de feriados e no final do ano a loja se transformava na sucursal do Inferno e o pobre do servente "se virava" em 3 para poder atender todas as solicitações dentro da loja, mantê-la limpa, fazer entregas, comprar lanche para as vendedoras e a proprietária e, por fim, ajudar a fechar a loja, 9 ou 10 horas da noite, às vezes mais tarde.
(Agora ficou pior: aqui em Belém do Pará há Shoppings que ficam abertos por até 36 horas seguidas, na véspera dos feriados.)
O Correio dos anos 70, no auge da Ditadura Militar, era uma espécie de "trabalhos forçados" no qual só doido ou desinformado entrava. Serviço mal pago (e mal visto?), tinha permamente falta de funcionários. Carteiros (e estafetas) eram burros de carga, portavam de 15 a 20 quilos de correspondência, entregue quase sem falhas e com bastante presteza no bairro mais nobre do Rio, a badalada Ipanema, sem direito a carona nos ônibus e trabalhando em 2 turnos, das 8 às 18 horas. Jovens esqueléticos, entre 13 e 16 anos, tínhamos que carregar nas costas 50 ou 60 pesados exemplares de Jornal aos domingos -- dia de folga dos carteiros -- graças a um convênio da estatal com um dos 2 gigantes da Imprensa carioca. Felizmente o "castigo" durou pouco, carteiros e entregadores de telegramas começaram a "ficar doentes" nesse dia e os exemplares acabaram por não ser entregues a dezenas de assinantes, boa parte militares, como de militares era a gerência (e até a presidência) de quase todas as estatais da época.
Minha saga nos Correios começa em Ipanema, onde atuei mais de um ano, passa pela APT de Copacabana, guindado por meus próprios méritos para a recém-criada agência no Posto 6, alguns meses depois. Funcionário excelente, não me dispensaram e, assim, acumulei 2 períodos de férias. Gerenciando os estafetas na nova Agência tomei a "liberdade" de liberar a metade do grupo aos domingos, afinal quase não havia telegramas para entregar naqueles dias. Ao invés de me agradecerem, fui "dedurado" por um deles e, como punição, transferido como reles estafeta para o bairro de Santa Teresa. longe de tudo, 2 conduções (ônibus e bonde) pagas por mim e um imenso sacrificio nas entregas, o bairro é feito só de ladeiras.
Desgosto e "stress" (nome desconhecido na época) me trouxeram os primeiros sinais da gastrite que me acompanha até hoje, 40 anos de "fidelidade" canina. O doutor no INPS me fez engolir uma massa horrenda com gosot de barro e o RaioX recomendou uma licença de 15 dias. Vibrei, fui para casa descansar e, quando voltei ao trabalho 2 semanas depois, estava demitido há mais de 10 dias.
Mas, onde está o "mico" dessa estória estupida?! Está chegando, caro leitor: 1) errei ao pensar que o INPS avisava a empresa sobre a licença concedida e, 2) errei ao não saber que o Correio podia RECUSAR a dispensa do trabalho me concedida porque -- por se tratar de serviço indispensável à Nação -- eu tinha que providenciar alguém para o meu lugar, antes de tirar alicença.
Pior: os jornais publicavam por 3 dias uma Convocação ao trabalho e, em seguida, demitiam o sujeito por Justa Causa. Perdi tudo, como punição "prensia-se" todo o dinheiro do demitido, exceto o mísero salário que esse maravilhoso (?!) Delfim Neto permitia que o trabalhador da época recebesse.
Fui pra Justiça do Trabalho, com advogado "de porta de cadeia" pago com os "trocados" que me restaram. "Queria ao menos as 2 férias vencidas, mais o 13º salário" disse-lhe e êle garantiu que era fácil. Na hora da audiência, outro "mico": o Juiza "bateu o martelo" encerrando a questão em meio minuto... a sede da Estatal ficava em Brasília, era lá que eu devia postular meu processo,
Mas o Correio tinha cenas engraçadas, extraviava-se uma quantidade enorme de correspondência e telegrama para militar tinha prioridade. Quando faleceu um general (1969?) reservaram 3 ou 4 estafetas apenas para levar de hora em hora os telegramas de condolências, como se a Família enlutada os fosse ler. (Teve um estafeta que enterrou um bocado deles nas areias de Ipanema e, em Copacabana, 2 carteiros desviaram quase 500 cartas com 1 amostra de WHISKY dentro, ousado marketing para a época.)
Após os Correios, em meados de 1971, começa uma época só de trabalho em escritórios, serviço temporário que 2 belas empresas (Partime e Snelling) me conseguiam a qualquer tempo. A partir deles a empresa me efetivava mas, para comprar coisas para nosso barraco -- além da comida, é claro! -- só mesmo com a indenização. Assim, tanto eu quanto meu irmão não ficávamos mais do que 3 ou 4 meses num trabalho, pedíamos demissão (sem justa causa) e com a indenização juntada pelos 2 se concretizava sonhos.
Nessa época (1972?) eu tinha acumulado algum dinheiro e li o anúncio de uma americana do Leblon vendendo equipamentos de som. Leitor assíduo de revistas de eletrônica e antenado, sabia o que era bom. Mal vestido, hoje em dia não entraria no luxuoso prédio nem pela entrada de serviço... mas o porteiro não opoz nenhuma objeção e acabei no "apê" da "cavalona", aquelas donas compridas e magras, com ar de vampira faminta.
"Arranhando" o Português, ela deu um sorriso de pena ao ver meus "vinténs"... eram todos aparelhos "up to date", último tipo, pickups (ou mesas, no jargão técnico) Technnis, receiver Marantz, caixas de som ("speakers") JVC, cada coisa abocanharia UM ANO ou mais de meu salário. "Empurrou-me" uns discos desconhecidos, nemnhum era tocado no Brasil na época. Glen Campbell, Van Morrisson, John Denver, Jesse Collin Young e uma cantora negra de uns 80 anos , Alberta Hunter, a elegância suprema na voz, Jazz em roupa de gala.
Normalmente eu pedia aos patrões que não assinassem de imediato minha Carteira, preferia me convencer se ficaria ou não no novo emprego. Isso obedecia a uma lógica: com a CTPS cheia de períodos curtos, em pouco tempo eu não me empregaria mais em lugar algum. Quem ouvia isso, agradecia, embora estranhasse, era uma economia expressiva de impostos e encargos trabalhistas. Por isso, hoje não tenho datas precisas de tantos empregos, alguns de tão curtos -- como um "Banquinho" minúsculo ao lado de uma praça, no início da Av. N. S. de Copacabana -- nem me possibilitaram cometer gafes, os tais "micos".
Uma rápida consulta à minha segunda Carteira de Trabalho (a anterior era de Menor) demonstra o espantoso "vai e vem" que foi minha vida funcional, mas do Correio eu sairia cedo ou tarde. Com o "salário" mais do que mínimo, no valor de 129,60 cruzeiros da época -- eu recebia apenas 59,30 por ser menor e devido aos descontos -- em outubro/1968, exatos 19 meses depois o DCT me pagava 140,40 "merrecas"... um aumento (?!) de menos de NOVE POR CENTO em ano e meio de trabalho exaustivo inclusive aos domingos e feriados, que não eram pagos como hora extra. (A inflação da época, manipuladíssima por Delfim & Cia, passava dos 30 ou 40% ao mês, contribuindo para manter desnutridos o assalariado e seus dependentes.)
Saí do DCT em fev./1971 e fui para a KONSIL, no Leme, que consertava as primeiras TVs em cores que o Brasil viu, da marca Philco e que dava defeito a cada 10 ou 15 dias, principalmente nos famosos "flybacks" (fláibecs). Na beira da praia conheci Sônia, espécie de Thaís Araújo de cabelo duro, 2 semanas de prazer e 2 longos anos de "dor de amor" e de saudades. Andava 3 kmpara ir pro emprego, outros 5 ou 6 como auxiliar do técnico Roberto, quase sósia do Martinho da Vila -- um ás da Eletrônica, conhecia o defeito da TV pelo som/chiado dela -- e outros 3 km, mais a subida do Morro, para chegar no barraco.
Em 1980 o "suplício" se repetiria, quando me empreguei na Mesbla... suponho que seja um "mico" bater na porta do emprego da namorada e saber (pela patroa) que a moça fôra demitida. Vizinhas fofoqueiras tinham contado pra madame que minha garota só queria saber de namorar no "calçadão" e nem ligava para a criança, da qual era babá. Tentei conseguir o endereço da casa da jovem (em Bangu?) mas a patroa jamais deu.
Com Sônia descobri que o Amor é lindo... algumas noites íamos para o "escurinho" das areais do Posto 2, perto do Copacabana Palace. Dos prédios de luxo os ricaços desocupados passam a noite inteira de binóculos espionando a "farra" dos casais, no cio, deitados na areia. Estava eu com Sônia num momento quente, quando o pipoqueiro no calçadão vira potente lanterna para nosso lado, iluminando tudo. Meio cego, fui pego com o "Bráulio" (ou "Zézinho", Peru, Pinto, Pavão ou outro "galináceo qualquer) em plena posição de sentido, enquanto soavam gargalhadas de todos os lados. Corremos em direção à água, eu com a calça na mão, enquanto a luz denunciadora nos "caçava".
"Mico" maior do que esse só por volta de 1980, quando uma vizinha do Morro, com quem eu tinha um "caso" às escondidas (era casada) resolveu comemorar o aniversário da filhinha de 4 ou 5 anos. Veio uma amiga dela (acompanhada do namorado), com nome de flor e ar de "vamp", do tipo que topa tudo. Sem conhecer ninguém na "festinha" (exceto a dona) fiquei pouco tempo e fui para casa, uns 15 metros adiante. Eis que de repente entra no "quarto-sala" a tal jovem, pula no meu pescoço e me tasca um longo beijo.
Enquanto eu tirava a camiseta, ela arriava minha calça... levantei-lhe o vestido, deitei-a no beliche estreito e pulei em cima dela. Em minuto e meio finfou o 1º ato... enquanto o "guerreiro" descansava meio mole de prazer, a jovem morena me faz um "fio terra", eu que vindo de colégio de freiras nem sabia o que era isso. AÍ, não teve mais clima,,, o "carequinha" desmoralizado baixou definitivamente a "cabeça" e ela, sem entender nada, esperando o "segundo round". Acenei um NÃO irado, a moça pegou minha camiseta e a enfiou quase inteira na sua "entrada social" sem o menor constrangimento, uma cena inesquecível.
Desgraçadamente, aquela "flor" de menina me deixou um "presente" ainda mais desagradável, a famosa "coceirinha", que eu também não conhecia. Transmiti-a para a jovem casada, que a repassou para o marido, que trabalhava à noite e descobriu da pior maneira que alguém o "substituia" na cama, de dia.
Nos Morros e naqueles tempos essas coisas se resolviam "no pau", na "porrada"... eu morria de medo de ser esfaqueado pelo marido corneado mas a moça aguentou firme as agressões e jamais revelou meu nome. Passei a não ficar mais no Morro e não sei sequer o que sucedeu a ela nem a sua filha. (Tempos de amor livre e sem proteção os anos 70, é bem possivel que eu tenha hoje 3 ou 4 filhos desconhecidos.)
Mas, voltemos aos empregos que tive, os que constam da CTPS, no caso: após os 28 meses no Correio, veio a Calçados Só Criança (de set. 71 a fev. 72), a boutique Lúcia Modas (dez. 72 a abril/73), a Cavalcanti Junqueira Engenharia (de abril a agosto 73), a F. Romeiro Metais (set. 73 a fev. 74), a SBCI-Cultura Inglesa (de março 74 a jan. 75), uma ótima empresa, um emprego maravilhoso. Nos intervalos de tempo, outros "bicos" e empregos temporários. Logo após o (des)serviço militar, em 1976, a Mapa Fiscal Editora (março 77 a junho 78), um único dia na Belmonte Engenharia (10 de julho 1978) e a magnífica MRN-Mineração Rio do Norte, emprego de 1º Mundo (de agosto 78 a junho 80), quase 3 mínimos como salário. Entrei na MESBLA em nov. 1980 (até abril 81), no mês seguinte fui para Banco Cidade de SP (de julho 81 a março 82) e, no mesmo mês, fui para o Jornal BALCÃO, um paraíso na Terra, no qual fiquei até julho de 1983.
Eu, que recusei por vários anos o convite do irmão mais velho para mudar para Belém, acabei pouco depois vindo para o Pará. No próximo "capítulo", um pouco mais sobre as empresas citadas acima e mais "micos" que vivi no que resta da exuberante Amazônia, digo, do Pará.
"NATO" AZEVEDO
@natoazevedo
@Mural Escritores