AMOR A DERIVA...
Caminhava pelo final de tarde multicolorido que se preparava a espera da noite que logo chegaria com suas estrelas em alegre desmantelo.
Não conseguia deixar de olhar o mar imponente e misterioso.
Sentou-se e se deixou ficar entre céu e mar, dois azuis distintos que pareciam resumir o universo naquele momento.
Deparou-se meio que surpresa com uma forma estranha que surgia das espumas, curiosa se aproximou sorrateira e resgatou a novidade:uma garrafa ,mas não uma embalagem que já esteve cheia de vinho e fora displicentemente jogada fora. Uma garrafa fechada com uma mensagem guardada em si.
Antes de abrir ( o que iria merecer um ritual),imaginou o que poderia conter aquele pedaço de papel intacto ao oceano,por onde poderia ter navegado,que correntes a transportaram,que marés a agitaram.
A noite vinha lenta mas imperiosa,era necessário abrir o segredo talvez mais bem guardado que já conhecera.
E foi respeitosamente retirando a rolha plástica, meio resistente talvez pelo tempo,talvez pela responsabilidade de levar consigo uma mensagem.
Com cuidado pegou o papel enrolado e foi desdobrando/desvendan-
do aos poucos aquele mágico descendente do pergaminho.
Na folha sem linhas uma carta/bilhete,ou qualquer que seja a denominação para aquele texto.
" Meu querido amor,hoje escrevemos á quatro mãos o que desejamos que o mundo inteiro saiba,sejam marinheiros, pescadores ou urbanas criaturas que um dia talvez avistem e resgatem das águas essa garrafa que trazia em seu interior vinho sorvido com delicados e sedentos lábios que se embebiam e embriagavam durante um lindo momento de amor.
Nas taças os goles, na banheira a espuma,pelo ambiente pétalas e
velas ajudavam a enfeitar e tornar ainda mais intenso o momento onde o amor gritava galopando no desejo.
Hoje meu amor e como gosto de assim te chamar, estamos juntos e felizes,nossos corpos se completam,nossos olhos se perdem na busca de nossas almas que parecem já se conhecer,nossas bocas se calam/sussuram/sorriem e se conversam quando a vida assim requer.
Não sabemos do tempo futuro, na verdade mal conhecemos o passado que se desenha ora presente.
O que quero deixar bem claro ao mundo ou quem sabe a ninguém,pois também há a possibilidade de jamais essa carta ser lida,é que o mais importante é amar com intensidade/sinceridade/integridade e paixão.
É esperar em cada final de tarde com ansiedade primária a chegada do grande amor, é o frio na barriga,o formigamento no corpo e uma morte de tanta vida no momento mais pleno do amor.
O que quero escrever agora para sempre ou para nunca, é que se amanhã não mais estivermos juntos, não significa que não houve amor e sim que ele existiu com tanta intensidade que acabou se dispersando pelo sal dos oceanos, pelo brilho das estrelas e pelos cânticos dos ventos.
Não iremos jamais nos esquecer de quando olharmos o mar tentarmos avistar uma garrafa que em um momento de encantamento
dois apaixonados jovens encheram de amor e esperança e com a maior pureza da alma, deitaram lentamente sobre o majestoso mar..."
Nesse momento dobrou delicadamente o papel e secou as lágrimas abundantes que deixava rolar pela face,fechou os olhos e sussurou para si mesma "... se um dia você seja lá quem for, encontrar essa garrafa,poderá ter certeza que valeu á pena tanto amar. Que talvez o tempo já tenha desfeito o vidro,o papel e até mesmo o amor.Mas tenha a mais absoluta certeza que nessa garrafa eu coloquei junto ao pequeno papel confidente,um testamento de amor e quem sabe saudade. Mas saiba que nessa embalagem simbólica dos pedidos de socorro dos náufragos da vida ou dos sentimentos,está um pouco de um grande amor. Meu amor á deriva..."
Levantou os olhos ao imenso teto de estrelas, suspirou e pode reviver com toda intensidade o exato momento em que há mais de duas décadas escreveu naquele papel e brincou de poder ser quase eterna enquanto durasse.
Devolveu a mensagem á garrafa, a garrafa ao mar e foi embora se (re)lembrando do seu amor á deriva.
Márcia Barcelos.
19/08/2011.