Altíssima velocidade de tudo

"...Como tudo passa rápido. Já ninguém louva nada por mais de cinco segundos".

Já no mundo impresso a rapidez das edições formava um grupo específico de astros e temas que mereciam destaque especial, ou seja, uma vitrine constante e eram louvados. Alguns subiram o mais alto degrau da fama com um sapato só. São as estrelas de plantão.

Unido a este fenômeno e com o desenvolvimento do rádio, da televisão, e hoje através da rede mundial de computadores; surge o fascínio pela desconcentração globalizada. O desabamento de qualquer resíduo imaginário. A imaginação é uma função parasitada pela produção despersonalizante da individualidade do expectador. É um fenômeno de massa devastador para o mundo artístico porque a grande maioria desaprendeu ou não sabe comentar o conteúdo daquilo que viram e ouviram. É o próprio fenômeno que torna desprezável qualquer avaliação reflexiva do expectador. Criou-se uma “cultura de veneração apática” assegurada pelos guardiões da opinião para uma população sem opiniões profundas. Jorram pluralidades que despluraliza a consciência tornando-as evidentes, naturais por artifício sendo até bizarras ou funestas. Diante de uma tela a óleo entre cem pessoas uma talvez consiga articular algumas palavras desconexas sobre o que acabou de ver. Duas haverão de compará-las com algum pintor famoso, a última tecerá um elogio emocional oxigenante de ocasião. O discurso estético acabou.

Na música ocorre o mesmo porque o que importa não é a musicalidade, nem a poética é o frenesi. Todas as artes estão expostas ao jorro da rapidez produtiva em concorrência para um mega enriquecimento. O grande rebanho vai com fé e pouco importa o significado do que ouviram e viram. Divertido é mergulhar no alienamento como num gol de felicidade e entusiasmo.

Para tanto existe um tipo de enxadrista que serve de exemplo sobre consumo irreflexivo. É aquele que joga uma partida de duas horas, ganha, mas é incapaz de aquilatar o valor esplêndido das situações criadas. Ele consome apenas a vitória e o fortalecimento do seu ego vitorioso. Joga o ego e não o jogo. Incapaz de admirar o perdedor que o levou ao máximo da excelência. É quando o vencedor não passa de um pobre bestalhão, bem mais do que enxadrista. Desce ao nível daquele colecionador de livros que jamais lê os exemplares que adquiriu. Ele prefere ficar apenas com a fama de homem culto.

O sistema educacional está comprometido nos mesmos moldes com a rapidez dos conteúdos que deságuam interminavelmente como se este fosse o desafio para a vitória glamourosa da idiótica beca final. Precisa ser intelectualmente extenuante para valer a vitória burocrática da diplomação seguindo o risco de derrota da reprovação onde será pisoteado e substituído por outro aluno pretensamente capacitado. Escrever e ler devia fazer parte de no mínimo dois anos de curso integral. Apenas leitura e dissertação escrita, criação de textos e demonstração da capacidade de lidar com signo e significado. Mas ocorre o oposto. Uma grande parcela de estudantes fala apenas o jargão obrigatório das citações estrangeiras sendo incapazes de elaborar idéias próprias sobre o que quer que seja. O processo de criar expectadores passivos coloca-os na posição de sujeitos antegramaticais, anterior à disciplina gramatical, sem base subjetiva devido à rapidez da mensagem pré-elaborada para consumo instantâneo. Verdadeiras maravilhas são jogadas rapidamente na lixeira visual e relegadas a total desimportância. Rapidamente, este texto será esquecido e substituído pelo trânsito enlouquecido da luta pelo mérito da consagração.

Há poucos dias um escultor foi procurado para participar de um filme sobre ele. Quando a edição estava pronta foi espiar e constatou que as obras não receberam nenhum destaque. Nada mais interessante. A força midiática primeiro quer criar a fama do “sujeito artista” depois a obra que pode ser até um reles traço num papel. A “fama” ocorre na “pessoa” e nunca a criação exposta. Para não valorar a obra prefere os meios de comunicação ocultá-la na figura do artista. No artista mora o dom milagroso e na obra o trabalho real. Realização sem mitos que ocupa o espaço de carência poética expressiva com imaginação humana. O mercado seletivo tem meios de leiloar e negociar a fama como o sucesso dos bacharéis. Os bens sucedidos nem de longe desejam ouvir falar em reprovados. Os reprovados não podem mais disputar um lugar ao sol.

Antigamente os críticos eram figuras dedicadas ao exame da qualidade das obras. Hoje eles são carregados na cacunda da rede mundial de computadores para assistirem ao gigantesco manancial de produções que fenecerão sem valor co-asociadas em tudo, menos na arrecadação dos anúncios que alimentam a altíssima velocidade de tudo. A rapidez comercializável transfere equidade apenas para aquilo que não vai lhe dar lucro. Tem a vantagem do desequilíbrio a seu favor.

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 19/08/2011
Reeditado em 19/08/2011
Código do texto: T3169300
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