Tião, o matuto Ambientalista
Um caboclo chamado Tião vivia com sua família em um pequeno e aconchegante sitio, num lugar bucólico chamado Alto Sereno. O nome se dava por ser uma serra muito alta e no período de inverno, de manhãzinha, a serração tomava conta do lugar. O nascer do sol ali era uma das mais belas paisagens, a visão humana. Surgia uma bola de fogo gigante entre as montanhas, em meio à serração. Pura gentileza de Deus. Que através daquele homem nos presenteou com tão bela infância. Tião era um sujeito de hábitos simples que fazia questão de tratar bem os visitantes, principalmente nós, que ali acampávamos, quase todo inverno. Servia-nos leite retirado na hora, sempre tinha uma broa de milho para a garotada que naquela época insistiam em acampar em sua propriedade. Era um homem humilde e gentil. Década de setenta, época que falar sobre ecologia era raro, consciência ecológica, não se sabia o significado. Época em que a criançada vivia com estilingues nas mãos. As leis de proteção eram raras ou nenhumas. Ninguém conhecia. Nós vivíamos ao lado da mata atlântica. Ele, o Tião vivia dentro da mata. O matuto conquistou nosso coração simplesmente por olhar a natureza de uma maneira diferente. Não conhecia leis, nem sabia ler. Mas sabedoria, ele tinha. Quando nos via munido de estilingue e embornal de pedras, aproximava-se e mostrava-nos o outro lado da mata que não conhecíamos, ou não enxergávamos. O encantamento dos diferentes cantos de pássaros... Ele sabia de cor o canto de cada um, as cores deslumbrantes que compunham esses seres singelos que ali habitavam. Que mortos! Não nos remetíamos a nada ou a uma tristeza imperceptível por sermos ainda crianças. Era um dia de pura contemplação. Mostrava-nos bicho preguiça, tucano e às vezes até lobo – guará. Aquele dia era um dia que voltávamos de mãos vazias, mas felizes, muito felizes... Felicidade sem sentido? Naquela época sim, hoje... Sinto lágrimas brotarem de saudades... Quando chegávamos de volta eram de conhecimentos de todos. Frase certa: “vocês foram ao alto sereno, foram no Tião”. Isso porque voltávamos de mãos vazias, sem ter abatido passarinhos, quem ligava pra isso... Ir ao sitio do Tião era gratificante, sua sabedoria, a forma de lidar com a terra, com a mata, as nascentes que cortavam sua propriedade, era diferente. Não sabíamos, mas estávamos inconscientemente, criando consciência para o futuro. Nossa geração, os que passaram pelo sitio de Tião, tornou-se uma geração diferenciada. Educamos nossos filhos com instinto de preservação, imbuídos a preservar e cultuar nossas matas. Hoje pais, e alguns até avós. Conservamos as trilhas de nossa infância e nossos filhos ali já passaram. Não havia quem não conhecesse o alto sereno e o famoso Tião, falecido ano passado, deixa um pouco de sua consciência e simplicidade arraigado em cada um de nós. Um heróico defensor da natureza, sem precisar de normas e leis. Simplesmente pelo instinto e amor pela terra e como ele mesmo dizia “Isso tudo é dádiva do Criador, não temos o direito de destruir. É tão mais bonito observar e cuidar pra num acabar”. E assim era a vida no Alto Sereno. No sitio do Tião.
Rafael Trindade 31/06/2011