CHAMANDO A CHUVA
Acordei de manhã, antes do nascer do sol, com o canto aflito de um sabiá.
Dizem que quando essa ave canta assim está chamando a chuva.
A pobre deve estar agoniada com os dias de intenso calor, sequidão e poeira com que temos convivido ultimamente, características marcantes do inverno aqui da nossa região.
Saí para o trabalho debaixo de um céu azul e um sol radiante, deixando para trás, oculto entre as folhas da laranjeira, o meu amigo cantor.
Passei a manhã toda fora e quando regressei para o almoço, lá estava ele, encarapitado no mesmo lugar, a cantar do mesmo modo aflito, olhando para o alto, como quem, orando, pretende tocar a alma do Criador, para que este, apiedado, atenda a sua prece.
Não sei se a chuva escutou, ao longe, lá nas entranhas do cerrado, onde ela aguava a plantação de milho e fazia cosquinha nas costelas dos meninos kadiwéus, o chamado desse meu inquilino, o fato é que, à noitinha, por mais de meia hora, caiu pesadamente sobre a cidade, encharcando todas as coisas e seres existentes, e foi embora, com a mesma rapidez com que chegou, deixando nas poças d’água das ruas a luminosidade pura das estrelas e das lâmpadas de neon...
Não sei se foi coincidência ou não a chuva ter caído depois de o sabiá ter cantado desesperadamente o dia inteiro. Esse é o mistério que fica. Mas é bom não duvidar de todo, pois como se sabe, a voz do povo é a voz de Deus.