OUVIDO SELETIVO

Descobri que tenho "ouvido seletivo !"
Não tenho nada com isso; o meu ouvido é dono do seu próprio nariz e toma suas decisões sozinho.
Desconfio que ele anda escutando o que falo em conversas íntimas com meus miolos e, depois, faz suas regulagens e vai deletando todas as frequências que não me agradam.
Estão definitivamente vetadas: voz de mulher fofocando, grito de gol do Flamengo, música ruim, buzina de apressadinho, altofalante de certos cultos, papo-cabeça, conversa de camelô,arenga de horário eleitoral "gratuito", karaoquê, grito de criança malcriada em restaurante, declarações inflamadas de pinguço e muitas, muitas mais.

Vetado está, também, o toque do meu celular, o Biná, mas para essa birra eu não tenho explicação.
Já com o preto Firmino (o telefone fixo) a coisa é diferente. Sua frequência tem aceitação imediata e passa direto pelo severo crítico.
Outra frequência que tem passagem livre (e até ampliada) é a da voz da Lee, minha mulher,mas, nesse caso a razão é óbvia.

Com o Biná a coisa é muito séria. As pessoas cansam de ligar pra mim e, em resposta, ou a voz metálica de uma gravação ou silêncio total.

Outro dia, quando estava me metendo na vida alheia, no shopping, enquanto aguardava a Lee se cansar de ver vitrina e não comprar nada, me aparece ela, descabelada, olhos fuzilando e brada:
- Sampa ( Sampa sou eu), onde tu andavas guri? Não ouviste o Biná? Estás surdo ou o que? Bah, tchê!
E quando ela fala em gaúcho, pode esperar que vem chumbo grosso!

Deletado também está, o apito da chaleira, a Gorda, e essa surdez que me foi imposta, já me valeu alguns puxões de orelha, como aconteceu ontem, quando a Lee estava tomando banho.
Eu aquí no teclado, na minha, parei ao ouvir aquela voz ( que passa livre e ampliada):

- Sampaaaaa ( Sampa sou eu) acorda seu bagual (quem não souber o que é, pergunte à Giustina), não vês que a coitada da Gorda está apitando. Por acaso estás borracho, bah, tchê).
Com o alarma dado pela fala gaúcha, respondo enquanto corro para a cozinha, aproveitando para um chiste:

- Já estou indo, guria! Mais rápido que pingo xucro!

Agora mesmo, chega até mim um som cavo, que parece vir do corredor do meu andar. Esperem um pouco, com licença. Vou e volto logo, é vapt-vupt!

- Tudo bem, era a Lee batendo massa de bolo na cozinha,
Graças a Deus ela está falando em carioca!


paulo rego
Enviado por paulo rego em 18/08/2011
Reeditado em 20/09/2011
Código do texto: T3167501