Homens de amanhã
Funcionários da Câmara dos Deputados – a parte que mais trabalha lá, naturalmente, não é a dos deputados – descobriram nessa semana mensagens escritas no concreto há 52 anos pelos trabalhadores responsáveis pela construção do prédio. É uma descoberta bonita, e que veio à tona graças a uma insistente goteira que estava incomodando o pensamento dos nobres deputados. Para acabar com ela, quebrou-se uma parte do prédio, e voilá: eis uma mensagem direto do passado para nós – e tenho a impressão que são mensagens muito mais incômodas do que qualquer mísera goteira.
O operário José Guerra, por exemplo, aproveitou a ocasião para fazer uma terrível exortação aos nossos congressistas: “Que os homens de amanhã que aqui vierem, tenham compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra”. Foi uma frase acertada, e talvez em 1959 realmente se acreditasse que a maioria dos deputados pudesse ser capaz de cumpri-la. Os homens do amanhã são os homens que hoje lá estão, e me parece que a compaixão realmente não está entre as suas características mais notórias. Quanto ao cumprimento da lei, varia: há tantos contornos possíveis, tantas brechas a serem alcançadas, que boa parte dos deputados é capaz de se considerar dentro da lei. Seria o caso de dizer que nossas leis estão tão evoluídas que hoje em dia, com jeitinho, ninguém mais no país pode ser considerado fora-da-lei. São coisas do homem de hoje, meu caro José Guerra.
Houve um outro operário que praticou o que o Estadão chamou de “português precário”. Assim são qualificados todos os que não seguem a cartilha do Professor Pasquale. Pois esse operário também fez uma exortação, tão terrível quanto a anterior: “Si todos os brazileiros focem diginos de honra e honestidade, teríamos um Brazil bem melhor”. A frase vem bem a calhar no próprio Congresso – mas não nos sintamos mais livres dela só por causa disso: a frase foi pra você também, leitor. Leia e considere. E aproveite também para decidir qual a pontuação que deve ser colocada nessa outra frase descoberta – se é que precisa de uma: “Só temos uma esperança nos brazileiros de amanhã”. São frases de confiança, apesar de tudo. Mostram que a coisa não estava muito boa para o Brasil naquela época e que eu e você éramos a esperança deles.
O deputado Marco Maia deu a entender que o desejo dos operários havia sido atendido, e que todos os que passaram por lá haviam contribuído para um país melhor. Mas o deputado Marco Maia é o presidente da Câmara e não poderia falar outra coisa. Não sei de nada. Sei apenas que não houve frase mais triste do que a de Nelson: “Amor, palavra sublime que domina qualquer ser humano”.
Nelson, você escreveu isso há 52 anos e continua sendo verdade. Não sei se era assim na sua época, mas hoje o que a gente mais faz é confundir o amor – somos dominados por outras coisas, todas feias, mas chamamos de amor. Você provavelmente falava de uma mulher, e imagino que possam ter se amado realmente. Sinto falta nos homens de hoje, Nelson, desse amor abnegado, amor de quem escreve coisas no concreto para pessoas que nem nasceram, mas que talvez um dia venham a ler, e quem sabe possam aproveitar para alguma coisa, e quem sabe isso seja bom, e o Brasil seja então um lugar mais agradável. Amor desse tipo.
E que, diga-se de passagem, é condição fundamental para que todas as outras frases sejam cumpridas a contento.